quinta-feira, 29 de abril de 2010

José Inácio Acioli: ourives, relojoeiro e boêmio

José Inácio Acioli, Juca Pedrosa e Eduardo Correia

Geraldo de Majella


Foi registrado no cartório como José Inácio Acioli, mas toda a cidade e até as pedras das ruas, os paralelepípedos, o conheciam pelo segundo nome: Zé da Quininha. Aprendeu dois ofícios, o de ourives e o de relojoeiro. Trabalhou durante muitos anos. Não posso afirmar que tenha se dedicado integralmente, mas por bons anos foi das duas profissões que se manteve.

Quininha era, em geral, bem-humorado. O bom humor e a alegria contagiavam o ambiente onde estava. O pendor pela boemia era maior do que qualquer outra atividade, inclusive as de ourives e relojoeiro.

O silêncio que o trabalho de relojoeiro requer, a precisão na montagem e remontagem de engrenagens de relógios era, pois, incompatível com o seu temperamento. A solidão do trabalho causava-lhe certo desconforto.

Os dois ofícios, aprendeu quando jovem na condição de ajudante de outros profissionais na cidade de Anadia. Era num tempo em que não havia cursos profissionalizantes e a escola pública era restrita.

Autodidata em tudo na vida, também aprendeu a tocar violão e a cantar. Os seus mestres foram os boêmios que conheceu, e de muitos deles tornou-se amigo e, excepcionalmente, rival de alguns poucos. O motivo não foi a música, mas as mulheres. Não frequentou escolas, seguiu intuitivamente os ensinamentos dos sambistas Noel Rosa e Vadico, que dizem: “batuque é um privilegio/ninguém aprende samba no colégio [...]”

Exerceu cargos públicos. Foi eleito vereador algumas vezes, duas pelo menos. A atividade parlamentar não o atraía nem era encarada como uma labuta que lhe causasse constrangimento em faltar a uma sessão da egrégia Câmara Municipal de vereadores, quando o motivo da ausência fosse plenamente justificável: está se iniciando uma farra ou nela está há tempos embalado com o seu inseparável violão.

Esse tipo de sacrifício os seus eleitores não lhe pedissem tamanha renúncia. O mesmo acontecia se clientes fossem procurá-lo para trabalhar em meio à sagrada boemia. A resposta estava pronta: “Deixe na relojoaria e depois vá buscar”.

No entanto, chegou um tempo em que os ofícios de ourives e relojoeiro foram totalmente abandonados, pois recebera uma oferta irrecusável: um emprego como funcionário público. Agora, sim, teria todo o tempo possível e não haveria incompatibilidade de tempo entre a boemia e o trabalho. Passou a ter um salário pequeno, mas certo ao final do mês. Desta forma gastou os últimos anos de sua longa vida.

O repertório por ele definido era quase imutável. Não adiantava solicitar músicas novas, que estivessem, por exemplo, sendo tocadas nas rádios. Esse tipo de coisa deixava-o injuriado. Fazia que não ouvia. Caso o pedido se repetisse, dizia simplesmente que não sabia.

A marchinha “Lancha Nova” de João de Barros, o Braguinha, e Antonio Almeida foi lançada na década de trinta, ganhou os salões durante os carnavais. Mas, desde muito jovem, Zé da Quininha incorporou-a ao seu repertorio até o final da sua vida.

Os amigos de copo e de cruz, os boêmios de Anadia, subiram as duas ladeiras íngremes levando-o para o cemitério, entoando “Lancha Nova” e outras canções de que tanto gostava e cantava nas mesas, salas e no cabaré. Aliás, era no Pernambuco Novo onde melhor cantava, com mais desenvoltura.

“Ô, ô, ô, ô,
Lancha nova no cais apitou
E a danada da saudade
No meu peito já chegou
Adeus, oh! linda morena
Não chores mais, por favor
Partindo, eu morro de pena
Ficando, eu morro de amor.”



terça-feira, 27 de abril de 2010

Jatiúca, essa é a minha praia

Lagoa da Anta em 1960

O que restou do coqueiral depois da urbanização em 1980


Praia de Jatiuca na década de 1980

Geraldo de Majella

[...] Como o mar de Jatiúca
Vive trágico, vive aflito
Perguntando se os coqueiros
E as jangadas vão restar
Pra passear no mar [...]

(Música de Beto Leão)

A urbanização de Jatiúca, iniciada na década de setenta, mudou o bairro definitivamente: foram abertas avenidas, ruas; conjuntos habitacionais construídos e inaugurados. O saneamento básico na área central do bairro foi implantado. Os sinais de modernização chegaram com a urbanização dessa região que vivia apartada do resto da cidade.

Em pouco tempo ocorreram mudanças tão significativas, que alteraram toda a paisagem e a vida do então bucólico bairro de pescadores.

A beleza natural estava escondida da maioria dos habitantes da cidade, mas com a urbanização houve a descoberta do belo − poucos tinham o privilégio de desfrutá-lo. O coqueiral, o mar e a Lagoa da Anta, ao serem apresentados ao grande público, pareciam um objeto exposto à venda na vitrine da loja.

Os pobres, que se banhavam nas águas mornas da Lagoa da Anta, sobreviviam − muitos deles − retirando o sustento da família do mar, do lindo mar de Jatiúca. Passaram a observar o desempenho das máquinas aterrando os manguezais, derrubando os coqueirais, alterando a paisagem do lugar.

O acesso à praia foi aberto pelas avenidas Álvaro Otacílio, João Davino e pelas outras que passaram a fazer a ligação entre o bairro e a praia: Amélia Rosa, almirante Álvaro Calheiros, Jatiúca e deputado José Lages. Foi dessa maneira que definitivamente Jatiúca entrou no mapa da cidade.

A longa barreira formada por coqueiros gigantes foi destruída. As novas gerações não têm a ideia de quanto era bonito o coqueiral que vigiava a orla de Jatiúca. Mas, infelizmente, as denominadas urbanização e reurbanizações foram engolindo os coqueiros e a faixa de área marinha. A prefeitura vem se dedicando sistematicamente a derrubar os coqueiros, a impermeabilizar o solo e usar cada vez mais o asfalto, desnecessariamente.

O sociólogo pernambucano Gilberto Freyre disse que o alagoano é um povo anfíbio. No entanto, isto não sensibilizou o governador e o prefeito quando entregaram a Lagoa da Anta aos proprietários das Casas Pernambucanas, à família Lundgreen, que aterrou a lagoa e sobre as suas águas ergueu o imponente Hotel Alteza Jatiúca. O primeiro cinco estrelas de Alagoas nasceu engolindo as águas mornas e límpidas da Lagoa da Anta.

A outra margem foi entregue ao ex-governador de Sergipe, para construir um conjunto habitacional, o Parque Jatiúca. Hoje a região é um bairro consolidado. A ironia é que um dos hotéis recentemente construídos chama-se Ritz Lagoa da Anta.

O crime perpetrado deixou, como todos os crimes, suas marcas. Restou da Lagoa da Anta apenas um espelho d’água poluída e represada que, “generosamente”, o Hotel Jatiuca protege. Os turistas tiram fotos e se admiram da beleza do local.

Em dias de maré alta a praia amanhece com os surfistas se equilibrando em pranchas que deslizam sobre o dorso das ondas que crescem e vão quebrar no Mata Garrote, nome primitivo dessa área da praia de Jatiúca que foi substituído pelo “carioca” Posto 7.

Na antiga Lagoa da Anta, os casais de namorados às tardes e noites andavam desviando-se dos coqueiros e estacionavam à sombra ou sob a luz da lua. Abriam as portas do carro para a brisa fresca do mar entrar. O som que se ouvia eram as ondas quebrando na areia.

Os coqueiros foram derrubados e em seu lugar foram erguidos edifícios que passaram a ser vistos como a paisagem do bairro. É um novo bairro, aquele bucólico sumiu, restando apenas o mar, o lindo mar de Jatiúca.

Andar a cavalo à beira-mar, pescar, jogar futebol, acampar, subir nos coqueiros são coisas de um passado cada vez mais distante.

A orla está decorada com alguns poucos coqueiros, sobra daqueles coniventes das tardes e noites de amor livre. É possível, sem muito esforço físico, contá-los.

A beleza tem sido punida em Maceió. É uma tara nefanda. Não duvidem se um dia qualquer for publicado no Diário Oficial decreto municipal com os seguintes termos: “Fica terminantemente proibido olhar a beleza do mar em Jatiúca”.

sábado, 24 de abril de 2010

Os filósofos do futebol brasileiro

Ademir Menezes


“Você, como outros recifenses,
nascidos entre mangues e o frevo,
soube mais que nenhum passar
de um para outro, sem tropeço.”
João Cabral de Melo Neto

“Dêem-me Ademir e lhes darei o titulo.”
Gentil Cardoso; o Fluminense atendeu ao pedido do técnico e foi campeão carioca de 1946.


Ademir Marques de Menezes [1922 – 1996] ficou conhecido como Ademir Queixada, nasceu em Recife no dia 8 de novembro de 1922 e morreu no Rio de Janeiro no dia 12 de maio de 1996. Jogou no Sport Clube Recife, Vasco, Fluminense e na Seleção Brasileira. Em 1950 foi o artilheiro da Copa que se realizou no Brasil.

Fonte: 90 Minutos de Sabedoria – A filosofia do futebol em frases inesquecíveis. Seleção e organização de Ivan Mauricio, editora Garamond, 2002.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

O Mestre Roberto Menezes

Roberto Menezes e Ronaldo Brito

Reanto, Haroldo, Major, Bibiu, Ademir e Roberto Menezes. Agachados: Orlandinho, Reinaldo, Silva, Tadeu e Sarão.
Geraldo de Majella
O futebol atrai multidões pelo mundo afora, transformando os seus praticantes em ídolos e arrebatando corações em todo o planeta Terra. Esse esporte, nascido na Inglaterra, catalisou a paixão e a alma do povo brasileiro, passando a ser considerado um símbolo da nossa nacionalidade.

O Brasil tornou-se a grande potência do esporte no decorrer do século XX. Conquistou 5 campeonatos mundiais e atualmente é um dos grandes exportadores de atletas profissionais para todos os continentes. Através do futebol, o Brasil conquistou o Japão, com Zico, e até mesmo a superpotência norte-americana rendeu-se ao encanto de Pelé, o mais espetacular atleta de todos os tempos. Eles foram os responsáveis, os desbravadores, uma espécie de bandeirantes contemporâneos e civilizados.

A alegria e o prazer da prática do futebol são também transferidos para os torcedores e espectadores. O futebol coloca o mundo em tomo da bola, reverenciando-a.

Graças ao mundo globalizado, a magia do futebol percorre os mais longínquos cantos do planeta terra. Nas Alagoas, à beira-mar, o CRB revelou para o futebol um garoto loiro, mais parecendo um alemão, contrastando com os negros que em geral são os donos absolutos da prática do futebol. Na Pajuçara, Roberto Menezes nasceu para o esporte tomando-se, talvez, o principal ídolo da historia do CRB, pelo menos na minha época de torcedor regatiano. É a minha visão de torcedor e, portanto, merece ponderação.

Pioneiro, conciliava a sua vida de jogador de futebol com sua outra atividade, que desempenhava com o mesmo afinco: o curso de engenharia civil na Ufal. Foram inúteis as propostas que recebeu para continuar jogando, mesmo depois de formado. Interrompendo a carreira que iniciara, preferiu construir o seu futuro distante dos gramados, da bola e da torcida, deixando precocemente órfãos os torcedores e os admiradores do seu belo futebol: no CRB e, fugazmente, no CSA, clube em que jogou apenas por um ano.

Definir um jogador como craque é algo que pode ser apenas paixão, nada mais. É comum entre os torcedores acontecer esse tipo de definição: "Fulano é um craque de bola". No caso do Roberto Menezes essa definição foi mais fundamentada. Algumas características definem um craque: a regularidade com que atua em campo, a elegância com que passa a bola para os companheiros, e a principal delas: o craque se diferencia do restante dos jogadores em campo por antever as jogadas, por enxergar os espaços vazios à frente, colocando-se ou mesmo passando a bola aos pés ou na cabeça dos companheiros.

Parece simples, mas é o grande diferencial entre os profissionais do futebol. Há, claro, os jogadores que são verdadeiros showmen em campo, pelas cambalhotas, pela forma de interagir com a torcida, mas não são efetivamente craques. Por mais que se queira explicar o craque, corno diz Tostão: "craque não tem explicação, ele é".

Por mais que os técnicos, hoje, saídos das academias, das escolas, saibam que futebol é o esporte das multidões, pelo menos no Brasil, devem se guiar pela máxima do Nelson Rodrigues, que fala de craques: "O tempo é uma convenção que não existe, nem para o craque nem para as mulheres bonitas".

O futebol é um balé praticado, no Brasil, por pobres e negros, na sua maioria, e portanto, tornou-se um ramo artístico. Seja no balé ou numa orquestra, você era o líder, Roberto, o maestro. A difusão dessa atividade artística ocorre através de milhões de críticos apaixonados que à beira do campo berram, choram, xingam a mãe do juiz, do bandeirinha, do ídolo, do cartola, mas, à semelhança de um raio, rapidamente reconciliam-se com todos no momento supremo do gol.

Sem o aparato tecnológico que hoje há à disposição dos praticantes do esporte − na década de 70 (a TV Gazeta é inaugurada em 75) não havia televisão em Alagoas –, Roberto Menezes conseguiu projetar-se como um ídolo, ultrapassando a fase anterior ao vídeoteipe. Logo, a memória do torcedor e a mídia escrita registraram o dia a dia da sua prodigiosa carreira de craque e mestre do futebol. O povo foi o melhor cronista do seu tempo de atleta, e através da memória popular o seu nome continuará rompendo o tempo como um virtuoso do esporte bretão.

Publicado n' O Jornal, domingo, 11 de abril de 2004.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

1º Festa Literária de Marechal Deodoro – Flimar


Será realizada na cidade de Marechal Deodoro, litoral sul de Alagoas, a 1º Festa Literária de Marechal Deodoro – Flimar, durante os dias 1 a 5 de setembro de 2010. Os escritores estão sendo convidados e alguns já confirmaram: Antonio Torres, Inácio Loiola Brandão, Marina Colassanti, Mauricio Melo Junior, Arriete Vilela,Enio Lins,Luiz Berto, Pedro Cabral, Zelito Nunes, Janaina Amado, Jessier Quirino.

http://flimar.blogspot.com

Dia Nacional do Choro

Pixinguinha meditando carinhosamente

No dia 23 de abril é comemorado o Dia Nacional do Choro, gênero musical brasileiro criado há 130 anos. A data que celebra o dia do Choro é também uma homenagem ao grande músico Alfredo da Rocha Vianna – Pixinguinha [1897-1973]. Entre os músicos, compositores, intelectuais e artistas, Pixinguinha é uma referência imortalizada pela grandeza de sua obra.

O compositor, flautista, saxofonista e orquestrador Alfredo da Rocha Vianna – Pixinguinha nasceu no dia 23 de abril de 1897, na cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, no bairro da Piedade. Faleceu no dia 17 de fevereiro de 1973.

A iniciativa de oficializar o dia 23 de abril como Dia Nacional do Choro, sendo a data de nascimento de Pixinguinha, foi do bandolinista Hamilton de Holanda e dos seus alunos da Escola de Choro Rafael Rabello.

No estado de São Paulo, no dia 28 de julho é comemorado o Dia Estadual do Choro. Os paulistas resolveram homenagear um dos seus ilustres chorões, o compositor Anibal Augusto Sardinha – o Garoto [1915 – 1955].

Bar Cantoria

Dia: 23 de abril
Hora: a partir da 20h30
Grupo Musical: Ismair Martins [Voz], Josenildo [Violão 7 cordas], Deda [Pandeiro] e Wellington [Bandolim/Cavaquinho].
Onde fica: Travessa Desembargador Osório Valente de Lima, 23, Mangabeiras.
Fone:[82]9918-6745/9154-5683/8885-9992

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Eu o vi jogar

CRB 1970
Roberto Menezes, Renato, Ademir, Zé Roberto, Lourival e Pompeia.
Agachados: Roberval, Rinaldo, Canavieiro, Jaildon e Mano.

Cláudio Canuto*

Lembro-me, como uma das mais arrebatadoras das minhas lembranças infantis, a elegância majestosa do seu futebol. O prazer voluntarioso e apaixonado com que a bola deixava-se levar, submetida a seus pés, à sua volúpia, a seus caprichos de jogador refinado, elegante e objetivo.

As nossas ruas confluíam, apontando para a Praça Sinimbu, onde fomos criados quase maloqueiros, jogando pelada em um campo vasto, pois a Praia da Avenida era nossa, e Roberto Menezes, futuro engenheiro e já ídolo de futebol, mostrava-nos gratuitamente o engenho de sua arte, para nós mais que complicada, insondável. Hoje eu sei o porquê: as bolas do mundo inteiro tinham uma grande paixão por ele, que as tratava com respeito e indiferença. Na verdade, submetia-as ao seu talento desinteressado e sem limites. No fundo, ele sabia. E é desta convicção que vinha a sua tranqüilidade quase tímida, o sorriso de quem perdoava a traquinagem que iríamos cometer, os abusos de jogadores limitados que viam no nosso objeto de lazer apenas couro e ar, que não sentíamos o seu pulsar, a sua alma feminina.

Objetivo, como disse, o seu futebol era matemático; os seus dribles, curtos, e longos os seus lançamentos. Desarmava com facilidade e cometia poucas faltas, como cavalheiro que era. Não lembro se foi expulso algum dia. E se o foi, culpo o juiz ou o adversário. Ou ambos. Defensor, quarto-zaqueiro ou volante, tinha noção clara que o futebol ideal era fazer muitos gols e não levar nenhum. Daí, a sua objetividade. Normalmente falava pouco e desconheço se algum dia foi capitão. Se não o foi, deveria ter sido, pois se impunha em campo, mesmo em silêncio, que era a sua atitude habitual.

Para mim, o seu jogo antológico foi contra o Cruzeiro de Minas, de Dirceu Lopes, Tostão e, sobretudo neste momento, de Piazza. Ambos Roberto Menezes e Piazza, disputavam a Bola de Prata do Campeonato Brasileiro, cuja preferência era determinada pelos votos de torcedores do Brasil inteiro. Roberto liderava com uma pequena margem de diferença. O troféu estava guardado lá em casa, aos cuidados do meu irmão, Márcio.

Jamais esquecerei o duelo, jamais esquecerei a elegância da disputa. Jamais esquecerei que o troféu foi levado lá de casa como quem cometiam um furto, como quem levavam um bem precioso cujo dono morava na rua ao lado, a cem metros de onde ele estava:” Deixe-o aqui, senhor. Eu mesmo o levarei. O dono mora ali e está em casa”.
Nós, seus amigos mais próximos, sabíamos, desde um tempo insuportavelmente indesejado, que o “galego” já tinha encontro marcado com o mundo desconhecido e que, em sua espera, sofria padecimentos terríveis.

Deixo-me arrastar pelos sentimentos e obscureço, talvez, o compromisso da objetividade que um dos mandamentos jornalísticos impõe. Mas eu o vi jogar e sei que não estou só, sei que outros torcedores anônimos, amantes do futebol sem os artifícios de uma retórica vazia expressa por fanáticos atuais, mas elevado à categoria de arte – a sua verdadeira morada -, encontrou em Roberto Menezes um dos seus ícones mais expressivos e respeitáveis. E estes, como eu, velam para que ele descanse eternamente em paz.

*É azulino.


Colaborador do Blog.

sábado, 17 de abril de 2010

Réquiem para as livrarias

A cidade cresce e é possível observar de onde se quiser algo que se pode denominar de explosão imobiliária. Ruas e avenidas são abertas, condomínios são lançados, edifícios residenciais e comerciais são construídos e vendidos em cafés da manhã de luxuosas imobiliárias e construtoras em Maceió.

Os anúncios nas televisões e nos jornais impressos são cuidados pelos empresários como quem cuida de criança no berçário.

A classe média e os ricos vão às compras nos shoppings da cidade. As ruas e avenidas estão congestionadas em qualquer horário e dia da semana: são carros de todos os tipos, os populares em maior quantidade; motocicletas e bicicletas contribuem para o caos no trânsito.

Tudo isso é tido como um sinal de progresso e, mais que isso, de desenvolvimento. Os economistas identificam no crescimento da renda uma evidência do aparecimento de uma nova classe média. Aliado a isso proliferam faculdades particulares, com milhares de novos estudantes.
Duas universidades públicas estão à disposição: uma federal, a UFAL, e a outra estadual, a Uncisal. Diante desse universo de florescimento econômico e universitário, para ficar tão só nesses dois campos, o que dizer do sumiço das livrarias?

Uma atividade econômica tão importante como a de livreiro em Maceió, os números indicam ser de altíssimo risco. O índice de mortalidade é alarmante e, caso fosse numa atividade ligada à saúde, certamente o Ministério da Saúde do Brasil destacaria técnicos para estudar in loco o problema.

A última a fechar foi a Prefácio, que sucedeu a Nobel. Nas últimas décadas podemos lembrar, sem grandes esforços de memória, algumas que também fecharam: Livraria Ramalho, Castro Alves, Teotônio Vilela, Livro 7, Caetés e Segal.

O cântico dos mortos parece que foi entoado em relação às livrarias de Maceió. Esse réquiem parece-me acompanhado do “dai-lhes o repouso eterno”.

O livro vai continuar a existir como um bem cultural de valor inestimável em Maceió. Graças à persistência e dedicação do livreiro e editor João Luiz, pernambucano que criou a rede de livrarias Nossa Livraria, primeiramente em Recife e depois em Maceió, mas que infelizmente faleceu no sábado de carnaval. A sua obra continuará por meio dos seus filhos, da sua esposa e dos seus funcionários nas duas cidades.

A rede nacional de livrarias Laselva/Sodiler tem duas lojas na cidade, uma no aeroporto e outra no Shopping Maceió.

Os livros continuarão a existir porque os donos de sebos (para alguns) e alfarrábios (para outros) persistirão em vendê-los. São dezenas de bancas e lojinhas no entorno do Paredão da Assembleia Legislativa, mais o sebo Dialética, do poeta e compositor Marcos de Farias Costa, situado em Jaraguá, na Rua Uruguai nº 110, e o Alfarrábio do Roberto, na Rua Santos Pacheco, no Centro.

Vida longa para os sebos de Maceió e de todo o mundo.

O livreiro João Maria Pereira sócio da Livraria Caetés.

Norton Sarmento,Roberto e o escritor Paulo Ronai

João Maria e os clientes

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Que a terra lhe seja leve


Luís Abílio de Souza Neto era engenheiro civil, formado pela Universidade Federal de Alagoas [UFAL], onde foi professor do curso de engenharia civil. Secretário de estado, entre outras funções públicas que exerceu, vice-governador, assumindo o cargo de governador de Alagoas de março a dezembro de 2006.

Luís Abílio era figura discreta, afável, que se caracterizou pelo espírito conciliador. Esse traço de sua personalidade, o conciliador, foi, no meu entendimento, o ponto de equilíbrio entre as forças internas e externas durante os dois períodos [1999-2006] em que Alagoas foi governada pelo também engenheiro civil Ronaldo Lessa.

O poder de conciliar os divergentes e articular-se entre aliados, e até mesmo entre opositores e adversários, era uma das suas características.

Nem sempre isso foi entendido positivamente. A atividade política para alguns é sinônimo de conflito permanente. Mas os que com ele trabalharam e conviveram, sabiam valorizar essa característica do homem público, do cidadão e do amigo.

A fala mansa e conciliadora deixava de existir quando o assunto era futebol e, essencialmente, o Flamengo, time do coração. O boêmio e o flamenguista viviam em perfeita harmonia.

Não perdia a oportunidade para tirar um sarro dos adversários; aliás, esse é um traço dos flamenguistas. Nós vascaínos, tricolores, botafoguenses, nos acostumamos. Sem problema. Nada assemelhado com grosseria. Nesse caso especifico: soberba. Um dos pecados dessa “nação” denominada flamenguista. Perdoávamos numa boa.

Convivi com as duas facetas dessa figura que aprendi a admirar e a quem nunca fui intimamente vinculado. Fui um dos seus auxiliares e de quem me tornei amigo.

Que a terra lhe seja leve.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Cantoria, casa de bamba



O samba é a maior expressão da música brasileira. No entanto, os locais para ouvir e dançar são restritos em Maceió. O Bar Cantoria tem sido, nos últimos cinco anos, o palco onde o samba desfila e os sambistas têm o abrigo necessário na cidade. Encravado entre casas e quintais, bambas catam e tocam samba em Mangabeiras.

Nelson Sargento, compositor carioca diz que: “o samba agoniza, mas não morre”. Isto tem sido observado ao longo dos tempos: as modas aparecem do nada e abafam o samba momentaneamente. Mas, a exemplo da Fenix, o samba reaparece, emerge do mergulho imposto, volta garboso aos palcos, aos botequins, no carnaval. É exaltado nas ruas, nas rodas de sambas, em casas pobres bambas mantém a tradição, renovando-o, sempre.

É nesta fase de afirmação que se encontra o samba em Maceió. A resistência é explícita. Diante da segregação das mídias, tem sido tocado e cantado durantes as tardes, noites e pelas madrugadas no Bar Cantoria.

O bar sobrevive faz cinco anos, comemorados no último 25 de outubro. Música ao vivo tem em muitos lugares, nos quatro cantos da cidade e em quase todas as encruzilhadas, mas é raro um cantinho como o Cantoria.
As mesas espalhadas pela rua formam um ambiente descontraído, cerveja gelada, tira-gosto. Aos poucos vão chegando boêmios, músicos dispostos a cantar, oferecendo canjas semanais.

Há entre os assíduos freqüentadores um que se destaca sem fazer força, é o infant terrible, Marcos Farias Costa, poeta, compositor e pesquisador de música popular.

Marcos pode ser considerado - sem que tenha reivindicado - o compositor da casa. Suas músicas, gravadas por Ibs Maceió, são cantadas. Tudo transcorre num clima de camaradagem. Boêmios de várias gerações sentam lado a lado, alguns cantam, outros bebem, mas há um traço comum entre todos: o samba, a boa música.

O poeta Fernando Fiúza, larga a lide acadêmica e vem sorver cerveja gelada ao som de cavaquinho e violão numa mesa que nos Clubes é denominada como: “da diretoria”, a que fica em frente aos músicos.

A proprietária da Casa é a cantora Ismair Martins. Não é raro ouvi-la cantando entre o fechamento de uma conta e outra do freguês que se vai. Mas, quando o santo baixa, Ismair solta a voz e canta sambas que consagraram Clara Nunes. Nesse momento Iansã, rainha dos raios, das ventanias e do tempo que se fecha sem chover, em forma de tempestade, é a própria Santa Bárbara que baixa. Axé!
O cantor e engenheiro Robson (Robinho) Melo é outra figura ligada ao samba que invariavelmente comparece ao Cantoria e solta a voz em canjas concorridas. O repertório escolhido tem músicas de Paulinho da Viola, Nelson Cavaquinho, Cartola, Noel Rosa, dos compositores alagoanos e as suas próprias composições, a motivação principal.

A voz abaritonada de Agildo Alves, coronel reformado da PM alagoana, é por todos admirada. O afinado cantor castrense traz no seu repertório preciosidades musicais de Augusto Calheiros, Francisco Alves, Ataulfo Alves e dos contemporâneos. Podemos afiançar que é a voz mais potente do pedaço. Discreto, mas presente nas rodas de bambas de Maceió, é um dos canjeiros do Cantoria.

A presença da psicóloga Lurdes Tenório acalma o Cantoria com choros, frevos canções e sambas. A sua voz afinada e cadenciada encanta a todos, atrai os olhares e faz bem aos ouvidos dos freqüentadores. Outra cantora que levanta a galera é a professora Gabriela. Cantando músicas imortalizadas na voz de Elis Regina, o seu tipo físico lembra a saudosa cantora gaúcha.

E o que dizer de Tebas? Vetusto boêmio, do alto dos setenta e nove anos é o mais assíduo. A ginga de boêmio afeito a noite e ao samba é disparado o mais alegre e o mais elegante entre os homens.
Tebas, trás no bolso um ganzá, instrumento de sua predileção e a sua marca de boêmio das noites maceioenses. As duas mãos sempre estão ocupadas: em uma o instrumento e na outra o sagrado copo com uísque. Quando descansa, acende um cigarro numa animação quase juvenil. Este é o honorável Tebas.

O samba é embalado por Clóvis (Zé Coió) no surdo; Josenildo (Manga de Eixo) no violão 7 cordas; Deda no pandeiro; Wellington alterna no cavaquinho e também no bandolim, é a sagração de um grande músico e o deleite dos fregueses é uma atração à parte; Castanha (ex-massagista do CSA) se destaca como malabarista ao tocar afoxé, dá canja todas as sexta-feira.

O Cantoria é para curtir e amar nas luas minguantes, cheias, crescentes e novas. Como diz Martinho da Vila: “ o samba é o Pai da alegria.”

Bar Cantoria
Onde fica: Rua Desembargador Osório Valente de Lima, 23
Mangabeiras – Maceió – Alagoas.
Fones: 99186745 – 91545683 - 88859992
Horário de funcionamento: sexta, à noite e sábado a partir das 15 horas.




Ismair Martins.

Sonia, o poeta e compositor Marcos de Farias Costa e Lurdinha