sábado, 24 de julho de 2010

O enfant terrible

Marcos de Farias Costa , Inácio Loiola Brandão e Sidney Wanderley
Luiz Carlos Prestes, Marcos Farias, Sidney Wanderley e Maria Prestes

Norton Sarmento, Antonio Houaiss e Marcos de Farias Costa

Sidney, Elício, Marcos, Jorge Cooper, Norton e Marcondes Costa

Luisinho (no violão), Marcos, o cantor César Rodrigues na Livraria Livro 7
Rosalvo Acioli Jr.(de perfil), Heloisa Ramos sendo abraçada por uma amiga e Marcos Costa

Dirceu Lindoso, Marcos,Jorge Cooper, a esposa e Luzia Helena Wittmann

O ator Chico de Assis, Marcos, Ricardo Ramos, Norton e Rosalvo Acioli Jr.



Geraldo de Majella

A década de 1980 do século XX no Brasil foi considerada pelos economistas como uma década perdida. O mesmo não se pode dizer de Alagoas quando o assunto é produção cultural. Houve a aparição de um grupo de jovens poetas e escritores estreando e assumindo na cena cultural alagoana um papel de contestação da ordem estabelecida.

A liderança de grupos muitas vezes é exercida por escolhas, em geral através de votação; no caso, a geração de poetas e escritores que se apresentou ao público nos anos 80 fugiu à regra. A liderança exercida por Marcos de Farias Costa ocorreu naturalmente, sem nomeação, de forma consensual. Havia entre eles uma concordância no pensamento e em algumas das ações práticas.

A insubmissão aos cânones estabelecidos era o combustível que movia a todos, pelo menos nos primeiros momentos, mas a contestação na forma e também no conteúdo do que se produziu, na época foi ressaltada por grandes poetas e escritores da literatura nacional; a prova disso são as inúmeras correspondências trocadas com os poetas alagoanos.

Ao avalizar os textos desta geração, estimulando-os ou criticando-os, vários intelectuais de peso no cenário nacional serviram de estímulo e também, em certa medida, conferiram o reconhecimento para jovens que produziam poesia, apesar das adversidades expressas na desconfiança de intelectuais conservadores locais.

Essa nova geração se agrupava num estilo anárquico e, talvez por esse motivo, tenha sido tão malvista pelos cânones que entre nós reinavam − alguns vivendo de um passado sem muitas glórias, mas estabelecidos em pontos estratégicos nas instituições de cultura e manejando poderes que se espalhavam em muitas áreas do aparelho estatal.

A rebeldia juvenil dos poetas era expressa pela imprensa escrita, quando conseguiam.Mantiveram-se sempre diante dos olhos atentos e vetustos daqueles intelectuais de província que também mantinham influência – um quase controle − nos cadernos de cultura dos jornais locais. O cerco havia sido formado, às vezes sem a devida percepção por parte dos rebeldes. Como rompê-lo?

Essa pergunta demorou a ser respondida com acerto e serenidade. E não se pode dizer com certeza se houve resposta. Um outro tipo possível de resposta foi dado e não demorou muito para chegar em verso e prosa.

A figura do poeta Jorge Cooper serviu de inspiração para essa nova geração de poetas, seus admiradores, com quem semanalmente se reuniam em torno de uma mesa para comer, discutir literatura e bebericar.

A diferença de idade entre Cooper e os demais era abissal, mas isso jamais os distanciou; ao contrário, aproximava-os cada vez mais, pois os jovens tinham em Cooper um mestre e um cúmplice.

A liderança dessa geração foi exercida por dois lideres que, repito, nunca receberam votos ou tiveram algum mandato formal para representá-los. O líder orgânico foi Marcos de Farias Costa, e o espiritual, o velho poeta Jorge Cooper, que “atuava” na retaguarda.

A influência − há muito reconhecida − não significou necessariamente apoio às ações práticas dos seus seguidores. O estilo de vida pessoal e literário de Cooper foi, creio, muito impactante na formação daqueles jovens poetas.

A concepção de mundo do velho poeta de origem inglesa era o que os atraia, além, claro, da sua produção poética, então quase totalmente inédita. O estilo de viver quase enclausurado o diferenciava dos seus contemporâneos. O fato de existir um poeta tão vigoroso, alagoano, que havia morado em vários estados e por tanto tempo passou a ser uma espécie de talismã, sobretudo sendo um homem de esquerda.

Até aquele momento − a década de 1980 − Jorge Cooper era o que o poeta paulistano José Paulo Paes disse a seu respeito: “O mesmo poeta que ao longo da sua vida não se empenhou em impor sua presença no palco do merchandising literário porque desdenhava ser ator de si mesmo, começa agora, com a maior discrição, a tornar-se um esquecido incomodamente inesquecível.” Ou o que dele disse a filóloga italiana Luciana Stegagno Picchio: “Um cacto solitário da poesia alagoana.”

O grupo liderado por Marcos de Farias Costa era constituído por Sidney Wanderley, Marcondes Costa, Diógenes Tenório Junior, Elício Murta, Luis Costa Pereira Junior, Susana Souto, Luzia Helena Wittmann, Norton Sarmento Filho. Como todos os grupos ou gerações, não firmaram compromissos nem juras de união eterna. A vida e as discordâncias os separaram. E cada um correu atrás dos seus sonhos e foi ganhar a vida como podia.

A verve afiada do enfant terrible Marcos de Farias Costa é um matraquear contínuo de uma metralhadora que girava em torno da renovação literária, nem sempre conseguindo acertar o alvo. Não é possível se conceber mudanças sem que haja dor, ruptura, lágrimas até. Esse caminho Marcos de Farias percorreu sobre brasas e álcool.

Tudo aconteceu, é justo que se diga, com acentuada dose de impetuosidade, ao verbo transmitida. Passados os anos, hoje com os cabelos dando sinais de que estão discretamente ficando brancos, é possível analisar aquele período de embates lítero-culturais com serenidade. Para tanto não significa negar os fatos, mas podem-se rever posições sem mudar de lado.

A geração de 1980 deixou como saldo dois grandes poetas e esgrimistas: Marcos de Farias Costa e Sidney Wanderley. Se me fosse dada a oportunidade de realizar um balanço, diria que o saldo foi extremamente positivo. Valeu, e muito, a pena ter brigado.





terça-feira, 20 de julho de 2010

Estádio Centenário

Fotografia do Rei Pelé e das camisas de craques brasileiros

O poeta Sidney Wanderley numa das salas do Museu do Futebol
Junto a replica da taça Jules Rimet


Eu e o Sidney Wanderley ao fundo fotogradia do Estádio Centenário


Entrada do Museu do Futebol

Ingresso para entrar no Museu do Futebol



Geraldo de Majella

Passando por Montevidéu em férias, um dos nossos programas - meu e do poeta Sidney Wanderley - previamente definidos foi visitar o Museu do Futebol do estádio Centenário. O futebol é um dos esportes de que gostamos e cada vez mais nos interessamos pelo espetáculo - pelo menos eu penso assim, e creio que o poeta sinta-se também contemplado. A vitória é uma consequência natural.

Reinventar o futebol é um dos desafios dos que gostam do jogo de futebol como um espetáculo em que os atletas são malabaristas, que vão a cada minuto conquistando o público que lhes assiste e os espectadores através da televisão.

No momento, o que vem enchendo os meus olhos são os meninos do Santos Futebol Clube. E tem sido pelo espetáculo majestoso em campo que essa garotada santista foi punida pelo Dunga, quando deixou de convocar alguns deles.

O futebol uruguaio tem uma tradição em revelar bons jogadores. A característica geral é a de jogadores aguerridos, lutadores, que dão o sangue e o suor em campo. Isso não vemos mais em campos brasileiros, pois cada jogador, ou promessa de, está sendo negociado para clubes europeus ou de outros continentes.

O estádio Centenário foi construído em 1930, para sediar a primeira Copa do Mundo de futebol, que a seleção uruguaia conquistou merecidamente. O Maracanã também foi construído para sediar a copa de 1950. Aliás, a gana do Brasil era tamanha que o estádio Mário Filho já nasceu como o maior do mundo.

O país se preparou para ganhar a copa. Tudo andou bem: a preparação, o povo animadíssimo, a euforia tomando conta de todos. A seleção brasileira foi batendo os adversários e conseguiu chegar à final, exatamente contra o Uruguai.

Os vizinhos do sul também estavam motivados e contavam com bons jogadores; a liderança de um negro era o diferencial em campo e fora dele. Os seus companheiros o chamavam de chefe. Obdulio Jacinto Varela [1917-1996] foi o maestro uruguaio no Maracanã de 1950.

O jornalista Nelson Rodrigues [1912-1980] disse que Obdulio Varela “não atava as chuteiras com cordões, mas com as veias", e que "a humilhação de 50, jamais cicatrizada, ainda pingava sangue. Todo escrete tem sua fera. Naquela ocasião, a fera estava do outro lado e se chamava Obdulio Varela".

Rememoro esses acontecimentos tão emblemáticos para o nosso futebol. A derrota brasileira ficou conhecida como o “maracanaço”. As figuras de Obdulio Varela e Ghiggia são recorrentes nos noticiários esportivos quando se aproxima o período de copa do mundo.

O Brasil será o país da América do Sul a sediar pela segunda vez o campeonato mundial de futebol. O Uruguai em 1930 e a Argentina em 1978 sagraram-se campeões. No caso argentino as dúvidas persistem quanto à lisura dos resultados de vários jogos – o principal foi Argentina e Peru, uma goleada de 6x0. Parecia que não havia goleiro ou que os jogadores peruanos estavam entorpecidos em campo.

Agora, voltemos à nossa visita ao Museu do Futebol do estádio Centenário. Foi pensando nos acontecimentos mencionados acima, que entramos no Museu. As fotografias enormes cobriam as paredes, um ambiente de pura emoção. Estávamos diante de vitrines com camisas, chuteiras e bolas de vários craques uruguaios e brasileiros, e de muitos troféus.

Paramos, contemplamos, comentamos, rimos, fotografamos e também lamentamos, sem evidentemente deixar de reconhecer a qualidade do futebol uruguaio. Mas o melhor estava por acontecer: deparamos com uma réplica da Taça Jules Rimet, conquistada pela seleção Celeste em 1930 e 1950, e até a bola oficial da copa de 30, murcha, desbotada pela ação do tempo – mesmo estando em condições ideais de conservação naquele Museu.

A curiosidade e a avidez nas observações colhidas em cada relíquia exposta no museu levavam-me à infância cada vez mais distante: quando ir ao campo de futebol era um programa familiar. Mais que isso, o jogo era um espetáculo. Os nomes dos jogadores brasileiros são lembrados e referenciados sem qualquer sinal de rivalidade ou intolerância. Senti nitidamente que os nossos vizinhos, los hermanos uruguaios, possuem admiração pelo que representamos no futebol mundial.

O clima de civilidade encontrado no Museu é também percebido nas ruas, andando nos táxis, ouvindo os comentários sobre futebol – tema obrigatório nesse meio de locomoção -, sempre de reconhecimento e admiração. Não posso dizer que essa mesma impressão tenha sido transferida para o Dunga. Quanto ao treinador, todas as ressalvas foram feitas, como se houvéssemos combinado previamente.

O Uruguai chegou às quartas de finais, conquistou a quarta colocação com uma garra incrível, indo além das expectativas. Era assim que eles se imaginavam, mas a seleção celeste, diante das adversidades, soube se superar e mostrou em campo garra, além de uma disposição incrível, jogando com vontade de vencer o adversário.

A seleção brasileira caiu como uma fruta madura em campo, sem reagir e sem comando. Quem atravessou o Atlântico na certeza de que disputaria o titulo mundial e ganharia pela sexta vez, veio antes para casa - cabisbaixos, sem brilho e sem alma. Vergonhosamente derrotados.

Para 2014 serão construídos novos estádios e o Maracanã será totalmente reformado. O Brasil sediará novamente uma copa do mundo. Ganhar já é uma outra história.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Jorge Oliveira, repórter e cineasta

Durante a gravaçãoa de Perdão, Mister Fiel em Quebrangulo-Alagoas

Ana Maria Rocha e Jorge Oliviera recebendo mais um prêmio

Jorge Oliviera pensativo
Desafio, edição de 20/27 de março de 1978, p. 7

Desafio edição de 9/15 de dezembro de 1978, p. 14

Geraldo de Majella

Jorge Oliveira é jornalista profissional há 46 anos; nasceu em 1948 no bairro do Prado, na cidade de Maceió. Iniciou a carreira como repórter em Alagoas, passou pelas principais redações dos jornais impressos e rádio: Diário de Alagoas, Gazeta de Alagoas e Jornal de Alagoas e Rádio Difusora. Na década de 1970, muda-se para o Rio de Janeiro, onde vai trabalhar nas redações do Correio da Manhã, O Globo, Jornal do Brasil, Gazeta Mercantil, Folha de São Paulo, Última Hora, Tribuna da Imprensa, Jornal de Brasília, Rádio Nacional, Radio JB e Radio MEC.

O espírito irrequieto − uma das suas características − e a disposição incansável de repórter, frequentou quase todas as editorias. Em 1973, com pouco mais de três anos no Rio de Janeiro, ganhou o prêmio DER de reportagem − o primeiro da carreira −, quando trabalhava no jornal O Globo.

O prêmio Esso é o mais cobiçado dos prêmios pelos jornalistas; Jorge ganhou dois. O primeiro em 1980, com uma série de reportagens sobre energia nuclear, pelo Jornal de Brasília. Em 1981 ganhou novamente o prêmio Esso, desta vez em equipe e pelo Jornal do Brasil.

Em 1978 foi enviado pela Editora Três a Alagoas para fazer uma reportagem sobre o “Sindicato do Crime”, organização criminosa com longa atuação no Estado. Nesta oportunidade, foi preso por policiais civis e levado para uma Delegacia de Polícia, onde foi barbaramente torturado.
Quando foi solto, recebeu a solidariedade de amigos jornalistas, apesar de continuar recebendo ameaças dos policiais. Sua família também foi ameaçada, numa clara indicação de descontrole do aparelho de segurança.

O Coojornal, jornal mensal editado em Porto Alegre pela Cooperativa dos jornalistas do Rio Grande do Sul, publicou a reportagem; o Jornal de Alagoas e o semanário Desafio republicaram a matéria. Nessa época andava em curso uma intensa atividade criminosa com origem na cúpula da Secretaria de Segurança Pública.

O governador de então, Divaldo Suruagy [1975-1978], diante da repercussão negativa do fato criminoso ocorrido contra o jornalista alagoano, convidou formalmente o torturado para um almoço em palácio. No dia agendado para o almoço, ocorreu o inesperado: o governador havia concedido uma audiência à cúpula do “Sindicato do Crime,” que às portas fechadas discutia amistosamente, e ao final os “dirigentes do Sindicato do Crime” são recepcionados pelo Chefe do Executivo. Num clima descontraído o jornalista é formalmente apresentado aos “capos” alagoanos.

A “audiência de desagravo” foi a fonte inspiradora para Jorge Oliveira descrever o “casual encontro” entre o jornalista, o “Sindicato do Crime” e o governador de Alagoas. O texto é uma peça histórica que, passados tantos anos, continua atual, com pequenas modificações. O que não se alterou foi a presença de criminosos investidos de mandatos parlamentares transitando pelos corredores palacianos nas Alagoas do século XXI.

O governador Divaldo Suruagy, após o almoço, despede-se dos “coronéis”, conduz o jornalista até o seu gabinete e sentencia:

− Veja só, como podemos acabar com o Sindicato do Crime? Acabamos de almoçar com ele.
Retrucou o jornalista:
− Mas, Governador, não existe uma maneira de sanar esse problema, uma velha mancha em Alagoas?

Arremata o Governador:

− É muito difícil. O Sindicato é composto de chefes políticos influentes em regiões importantes do Estado, com os quais precisamos nos relacionar para fazer política.

As providencias que o governador disse a Jorge Oliveira que seriam tomadas foram duas: primeira, a punição para os policiais que o torturaram; segunda, a destruição do tanque em que o “afogaram.

O semanário Desafio, edição de 20 a 27 de março de 1978, constata que: “Até o momento em que se fechava esta edição, nenhuma providência havia sido tomada”. Ou seja: a tortura continuou a ser praticada em Alagoas, e o tanque não foi destruído.

O jornalismo é um tipo específico de vírus que contaminou Jorge Oliveira ainda muito jovem, pois até hoje, aos 62 anos de idade, mesmo sem estar trabalhando em redações, continua escrevendo semanalmente num semanário de Maceió. Respira jornalismo. Tem escrito alguns livros que são grandes e importantes reportagens, nos quais o tema é Alagoas.

As mudanças ocorridas na carreira e na vida do jornalista foram significativas e positivas. Primeiro, por ter casado com uma colega de profissão, a jornalista Ana Maria Rocha; segundo, porque o casal mudou o rumo de suas vidas mergulhando no mundo do marketing político., atividade em que têm alcançado sucesso − isso vem sendo feito há cerca de 20 anos. O terceiro salto na vida do casal foi em direção ao cinema.

Como diretor de cinema, é uma grata revelação – quem diz não sou eu, apenas −-, mas a critica nacional. Em 1985 recebeu Menção Honrosa pelo filme “O poeta e o Capitão”, no 38º Festival de Cinema de Brasília. Esse filme trata da histórica passagem do poeta chileno Pablo Neruda por São Paulo em 1945, para participar de um comício realizado no estádio de futebol do Pacaembu, juntamente com Luiz Carlos Prestes, líder dos comunistas brasileiros.

Outros filmes foram produzidos e dirigidos por Jorge Oliveira, Ana Maria Rocha, sua assistente de direção, e mais recentemente pelo filho do casal, Pedro Zoca. Os filmes “Mestre Graça”, sobre o escritor Graciliano Ramos, e os documentários “A Esfinge - Floriano Peixoto”, “A Resistência de Marechal” e “Perdão, Mister Fiel” [2010], longa-metragem que conta a história do operário alagoano, militante do Partido Comunista Brasileiro – PCB, Manoel Fiel Filho, torturado até a morte nas dependências do DOI-CODI de São Paulo, em 1975.

“Perdão, Mister Fiel”, recém-lançado, já ganhou oito prêmios em diversos festivais e em categorias diferentes no Brasil. É um filme que ainda vai rodar muito pelo Brasil e no exterior.

A experiência como repórter tem sido bem utilizada por Jorge Oliveira em várias áreas. O livro Eu não Matei Delmiro Gouveia é uma reportagem histórica, e mais uma vez o objeto de estudo é a História de Alagoas. Em Curral da Morte [2010], livro publicado pela editora Record, leem-se as palavras do jornalista Domingos Meireles: “Ao exumar fragmentos de episódios desconcertantes, deliberadamente confinados nos cantos escuros do passado pela historiografia oficial, Jorge Oliveira produz uma obra fascinante, que desvenda a aspereza dos conflitos sociais de uma região marcada pelo atraso e pela barbárie”.

No trabalho de marketing político, além das 16 campanhas eleitorais em que trabalhou, produziu o livro Campanha Política: como ganhar uma eleição – Regras e Dicas, obra que tem sido uma eficaz ferramenta de consulta dos iniciados e dos profissionais da área, mas principalmente dos candidatos.

Múltiplo, como em geral são os jornalistas, foi diretor do Sindicato dos Jornalistas do Rio de Janeiro, da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), da Federação Nacional dos Jornalistas e da Cooperativa dos Jornalistas do Rio de Janeiro.

terça-feira, 6 de julho de 2010

A voz da minha avó

Dona Rosinha

João Sapucaia, dona Vicentina, Maria Betania, dona Rosinha, Marinalva e a filha Rosa, Josias e Bebé, em 1959.
Geraldo de Majella


Acordei ouvindo uma voz que me era muito familiar. Levantei, fiquei de pé para ter a certeza de que estava realmente acordado. De fato estava acordado, mas permanecia com a sensação de que estava ouvindo a voz. Era uma voz suave, pausada, carinhosa. Era a voz de dona Rosinha, minha avó. Passados tantos anos da sua morte, voltei a me lembrar de dona Rosinha, que era assim conhecida, mas fora registrada como Rosa Soares de Moura.

Logo após a sua morte, passei muitos anos com o som da sua voz em minha cabeça. Quando acordava, antes de ir dormir, na hora do banho, caminhando na praia...

A lembrança me acompanhou por muitos anos, mas fazia algum tempo que não me ocorria lembrar. No entanto, isso não significa que tenha esquecido seu jeito carinhoso e afável. A saudade me acompanha aonde quer que eu vá.

Demorou muito tempo para que eu entendesse – e não era segredo de família − que a dona Rosinha não era a minha avó e sim a bisavó. Quando minha mãe (Marinalva) nasceu, seu pai, meu avô Moisés, morreu. O fato de a avó Novinha (Maria Fidelis de Moura) ter ficado viúva fez com que ela entregasse a criança para a bisavó criar.

A criança foi registrada como filha da avó dona Rosinha. É por isso que eu chamo e sempre chamei de Vó Rosinha ou dona Rosinha.

Nunca passou pela minha cabeça, nem quando era criança, e hoje também não me preocupo em saber o que ela fez na vida. O que me atraía era a sua fala mansa, pausada e, claro, os seus mimos, distribuídos sem sovinice.

As lembranças dos tempos em que eu era criança e fazia travessuras em sua casa ou para lá corria, fugindo de punições certas de minha mãe − não sem razão, pelas diabruras que realizava. A sua casa, arejada, com um quintal grande e com um pomar bem cuidado, era o meu esconderijo preferido.

Surras não eram permitidas. A casa da Rua Nova era território liberto. Ninguém ousava usar castigos físicos; nem minha mãe, com sua vocação autoritária, ousou. O meu refúgio sempre foi a casa de dona Rosinha.

O quintal-pomar tinha as frutas da minha preferência em abundância: sapoti, pitanga, manga-rosa, manga-jasmim, goiabas brancas e rosas, um pé de romã. E tinha o melhor: a Josefa, fiel escudeira, uma negra alta, de mãos grandes e habilidosas, uma artista na cena doméstica. O que de melhor comi foram os quitutes feitos pela Zefa. A minha memória afetiva me conduz: lembro-me dos sabores e dos prazeres da cozinha e da casa de dona Rosinha.

O lanche das tardes era sagrado. Doces de coco com mamão, leite, caju, broas de goma quentinhas, pé de moleque. O forno a lenha estava sempre aceso. O café passado na hora, torrado em casa. Tudo ou quase tudo era caseiro. As broas começavam a ser preparadas após o almoço.

Dona Rosinha, sentava na sua “cadeira da vovó”, que ficava na sala de visita, ajudava na confecção das broas de goma. Quem fosse chegando era convocado para o trabalho artesanal de produção de broas de goma, iguaria também conhecida como sequilho, feito da farinha de mandioca.

No sábado, dia da feira, a despensa da casa era abastecida com os mantimentos. A energia elétrica era a grande novidade na cidade, e a geladeira − aliás, dona Rosinha, acredito, não chegou a conhecer esse bem, hoje indispensável a qualquer residência.

A água tratada para consumo humano era outra novidade. Demorou alguns anos para que todas as casas tivessem ligações e pudessem consumir água tratada e fornecida pela Casal. O abastecimento de água da casa vinha da cacimba e era armazenada nos potes de barro. Estes eram cuidadosamente colocados num dos cantos da cozinha, do lado da sombra, para manter em temperatura amena, assim resfriando o líquido, observando-se o cuidado para que não entrassem insetos.

Esse ritual demorou alguns anos; não foram muitos, mas como tudo naquela casa era simples e comum, talvez por isso tenha sido tão marcante para mim. Essas lembranças que emergem durante um sonho ou quase sonho, para mim, constituem uma evidência de quão importante são as avós. E como é saudável a infância quando é bem vivida − e se for numa pequena cidade, melhor ainda.

A mesa da casa era o parlatório. A sala de visita era um ambiente confortável, mas onde pouco tempo ficávamos. O melhor lugar da casa era a sala de refeições, área interligada, separada apenas por uma meia-parede com a cozinha.

Esforço-me para lembrar se em alguma ocasião houve alteração na sua voz. Se houve algum grito, esporro ou resmungo.

Resmungar é uma condição, dizem, inerente aos velhos, chatos e mal-humorados. Em nenhuma dessas categorias é possível enquadrá-la. A forma como dona Rosinha se dirigia aos adultos e a nós crianças era a mesma: carinhosa e educada. Hoje, percebo o quanto ela prestava atenção em nossas falas.

Os conselhos, as orientações e as repreensões eram dados sem que houvesse constrangimentos. Os resmungos, esses sim, algumas vezes eram feitos por nós, ao sairmos da mesa.

A dona Rosinha sabia das coisas.

sábado, 3 de julho de 2010

Derrotada, chega ao fim a doutrina da burrice

O ideólogo da doutrina da burrice

Dando explicações na aula inaugural

O carniceiro Felipe Melo

Vergonha nacional

Geraldo de Majella

Dunga disse em entrevista coletiva, após a derrota da seleção brasileira para a Holanda, que foram três anos e meio de preparação, o grupo esteve unido, não houve briga nem escândalos e todos ficaram 52 dias concentrados, sem problemas de relacionamento.

Lembrei-me imediatamente de duas figuras antológicas do futebol brasileiro e mundial: o treinador e comentarista João Saldanha e o ex-jogador Romário.

A respeito da concentração, Saldanha certa vez afirmou: “Se concentração ganhasse jogo, o time da penitenciária seria campeão invicto”.

O baixinho Romário, muitos anos depois, arrematou com essa pérola: “Não adianta dormir cedo e não jogar porra nenhuma”.

A seleção brasileira de futebol é muito mais importante que a política econômica do presidente-torcedor Lula da Silva. E por ser tão importante para o nosso povo, o treinador não pode ser um medíocre, aparentado com muar.

O [alagoano] Aurélio Buarque define muar como: [substantivo masculino] Animal pertencente à raça do mulo, espécime dos mus.

Mulo é: [substantivo masculino]. Zool. Animal mamífero, perissodáctilo, resultante do cruzamento de jumento com égua, ou de cavalo com jumenta. É, pois, animal híbrido, estéril, do mesmo gênero de Equus, do cavalo e do jumento [sinônimo: besta, burro].

Quem tem como instrumento de trabalho as estatísticas de futebol, campeonatos, quantidades de gols marcados, faltas etc. não serve para armar a seleção brasileira. Organizar um grupo e desconhecer que grandes jogadores foram deixados de fora porque o seu grupo estava fechado e não era possível mexer, é o sinal mais evidente da burrice.

Dunga, entre outras coisas, é isso mesmo: estúpido.

Ficaram no Brasil dois craques: Ganso e Neimar. Ronaldinho Gaúcho ficou na Itália. Mas estiveram entre os 23 convocados: Júlio Batista, Klerberson, Josué, Felipe Melo, Grafite etc..
Em campo o carniceiro Felipe Melo deu mostra do que ele é capaz: cartões, pontapés, expulsão, gol contra. O resultado, todos sabem.

Felipe Melo é um dos mais desleais jogadores que já vi jogar numa seleção ou mesmo em um clube de futebol; é páreo para os brutamontes Moisés [Vasco da Gama], Abel [Fluminense] e Chicão [São Paulo e Seleção de 1978]. Qual a vantagem num campeonato de violência? Nenhuma.

Todos sabiam que Felipe Melo, como se diz na gíria, “é chave de cadeia”. Bate, é desleal e foi quem individualmente mais contribuiu para a derrota do Brasil na Copa da África do Sul. Foi o coveiro da doutrina Dunga.

Vendo por esse ângulo é algo positivo. Mas o que nós brasileiros queríamos era o hexacampeonato, mesmo sendo dirigido por um medíocre, aparentado com muar. Um burro, que distribuiu coices a três por quatro, inclusive em jornalistas brasileiros.

O desequilíbrio emocional de Dunga durante os jogos foi evidente. Isso, lógico, também contribuiu para piorar o clima de instabilidade, contaminando os seus comandados, e a reação veio na medida exata do nervosismo, quando não da violência. Estou me referindo a jogadores profissionais experientes e que dispõem em suas contas bancárias de milhões de dólares, cada um.

O jogador brasileiro foi sempre admirado pela sua elegância, malandragem e pela intimidade com a bola: uma relação quase familiar, em que a bola − na África chamada de Jabulani − faz parte da vida e é considerada um membro da família, principalmente dos jogadores de origem pobre, a grande maioria deles. A bola é tratada com carinho e amor.

Não sou ingênuo o suficiente para não compreender que rolam muitos interesses entre as quatro linhas que demarcam o gramado e muito mais ainda fora dele. Há jogo sujo, todo tipo de trapaça, coisas inconfessáveis, mas o futebol [o espetáculo] é levado a sério pelos torcedores da seleção brasileira no Brasil e fora dele. A seleção tem em todos os continentes torcedores que vibram com e adoram os jogadores brasileiros.

Nelson Rodrigues disse que “a seleção brasileira era a pátria de chuteiras”. O velho cronista tinha razão.

Milhões de brasileiros estão de luto pela derrota da seleção contra a Holanda.

Resta torcer pela camisa celeste do Uruguai, de Louco Abreu, Obdulio Varela e Ghiggia.