sábado, 30 de outubro de 2010

Pelé setentão

Majella e Pelé

Douglas, ex-jogador do Santos F.C., marcou o primeiro gol no Estádio Rei Pelé

Isabela e Pelé

Com Pelé

Geraldo de Majella

O dia 25 de outubro de 1970 transformou-se para os alagoanos numa data importante, pois foi inaugurado o Estádio Rei Pelé, o Trapichão. A Seleção Alagoana de futebol enfrentou o Santos Futebol Clube, o melhor time do século. O jogo inaugural terminou com a vitória esmagadora do Santos de Pelé, por 5x0, sobre a Seleção Alagoana.

O Estádio estava lotado, foram mais de 40 mil espectadores que pagaram – criança entrava de graça, por isso afirmo que havia mais espectadores. Um desses expectadores mirins era um menino de nove anos, que havia chegado de Anadia, com a família, para estudar em Maceió, em 1969. Esta criança era eu.

A minha mãe permitiu que eu fosse sob os cuidados de um vizinho, adulto, e de outros amigos. Saímos de casa logo após o almoço. Tínhamos de chegar cedo para pegar um lugar onde de pudéssemos ver o jogo bem. Ficamos na arquibancada central – depois transformada em território do CSA, que tem no CRB o maior adversário. Enfrentamos filas enormes, conseguimos entrar, sentar e ficar de frente para o sol escaldante.

A alegria de criança nunca é esquecida, e a minha, em especial, jamais será. Nem com Alzheimer esquecerei aquele jogo e as jogadas de Pelé. Enquanto esteve em campo, deixou embevecido mais de 40 mil súditos.

O Estádio Rei Pelé durante alguns anos figurou como um dos mais modernos estádios de futebol do Brasil. Outros craques estiveram jogando por aqui. Vi muitos grandes jogadores, como Paulo César Caju, Ademir da Guia, Rivelino, Zico, Dirceu Lopes, Piazza, Roberto Menezes, Nei Conceição, Pedro Rocha, Silva, Soareste, Reinaldo, Joãozinho Paulista, Djair, Espinosa... É infinita a relação de bons jogadores que vi jogando no Trapichão.

Mas nada foi tão marcante quanto o jogo Santos x Seleção Alagoana.
Muitos anos depois, já adulto e pai, anos 1990, numa noite de boemia em São Paulo, saindo do Bar Biroska, na Avenida Pedroso de Moraes, em Pinheiros, em companhia do amigo Gilson Souza Leão, demos de cara com o rei do futebol. Ele estava muito bem acompanhado com duas lindas loiras. Ninguém encostava, os seguranças não permitiam. Mesmo assim tentei um autógrafo, não foi possível. Levei um drible, claro.

Em junho de 2010, Alagoas recebeu por algumas horas o rei do futebol. Pelé foi convidado pelo governador Teotônio Vilela Filho para a reinauguração do Estádio Rei Pelé. Os dois principais clubes de Alagoas, CSA e CRB, fizeram a festa em campo. No entanto, foi Pelé quem atraiu as atenções do público, dos políticos, dos atletas e ex-atletas. Esteve presente na solenidade o ex-ponta direita Douglas, autor do primeiro gol no Trapichão. Douglas também foi homenageado na calçada da fama, deixando junto com Pelé as marcas dos seus pés para sempre.

Em meio a uma multidão de jornalistas, políticos, crianças, filhos dos presentes, estava eu e minha filha Isabela, tietando o Rei Pelé. O empurra-empurra foi grande, mas conseguimos chegar perto do Rei. O nosso objetivo era tirar uma fotografia ao lado de Pelé.

Conseguimos! Confesso que contamos com a ajuda dos seguranças do governador e com a solicitude de Pelé, que atendeu a todos indistintamente, tanto se deixando fotografar como autografando camisas, bolas, livros, pedaços de papel, em qualquer objeto que lhe fosse chegando às mãos.

Essa figura mítica que é Pelé completou, no dia 24 de outubro, 70 anos de glória e amor ao esporte. Continua dando exemplos de decência e cidadania por onde tem passado no planeta Terra.

Pelé é brasileiro, nosso irmão, o cidadão mais querido do nosso planeta. Isto não é pouco: é o atleta do século.

Vida longa ao Rei do futebol.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Aposentadoria

Relaxando na praia

Paraty - RJ


Rapaziada curtindo música em Viçosa - Alagoas



Geraldo de Majella
O lugar onde se nasce tem significado especial; é comum a exaltação, cada pessoa fala da cidade onde nasceu – seja grande, média, pequena ou até mesmo uma aldeia; lugar distante, ermo da zona rural −, mas nem por essas circunstâncias, esquecido.

Se o indivíduo é um andarilho, viajante, marinheiro mercante ou funcionário de companhia aérea, andou por mares, desembarcou e conheceu portos e aeroportos em lugares distantes e exóticos, nunca deixa de pensar em sua terra; quando não deseja retornar, mesmo que fosse em férias.

Essa criação humana chamada cidade tem mudado rápida e intensamente. É comum encontrar, e não são poucos, os que nasceram na zona sul do Rio de Janeiro, por exemplo. Outros nasceram na periferia, mas o cidadão é carioca. O nascido na periferia diz logo que é suburbano.

É “lúdico”: grandes figuras do samba que nasceram lá, cantavam e cantam as suas origens com reverência. Essa região apartada da cidade se liga através da música, no caso do Rio de Janeiro. Mas não se identifica como periferia.

Há sutilezas na identificação do território. O suburbano não é, e não quer ser, identificado como morador da periferia. As dificuldades materiais de cada morador ou da maioria deles indica em determinado momento da vida o grau de animosidade com a cidade.

O atraso no transporte coletivo, a violência urbana, a falta de emprego ou o baixo salário fazem com que o cidadão extravase uma certa dose de raiva da cidade. Maldiz a vida que vai levando.
É comum sentar num botequim ou em outro lugar qualquer e alguém dizer: “É impossível continuar morando aqui.” Ou coisas do tipo: “Viver nessa selva de pedra, aguentar o barulho, a poluição, a violência, chega! Estou contando os dias para me aposentar e ir morar numa cidade sossegada.”

Há momentos de desagradáveis notícias, quando a ira e até mesmo os ressentimentos predominam. Mas esse sentimento humano, da raiva, do desprezo é substituído por lembranças afetivas; brotam então do pensamento as memórias da infância já distante, mas que não são e que jamais serão esquecidas.

Muitas vezes os versos da Canção do Exílio, do maranhense Gonçalves Dias, rompem o silêncio imposto pela saudade e pela distância da terra amada, maltratada, nunca esquecida − versos tantas vezes recitados na infância, que lembrados, retornam com a força de um furacão:

“Minha terra tem palmeiras,
onde canta o sabiá;
as aves, que aqui gorjeiam,
não gorjeiam como lá”.

Essa briga constante com a cidade é comum; não significa uma ruptura total, mas um desabafo dos que amam e também odeiam; uma relação ambígua que segue vida afora. Nessa relação não é permitido bater. Isso nunca.

O trem que atrasa, a greve de ônibus, as rebeliões nos presídios, os apagões frequentes, tudo enfim de ruim ocorre e, no mais das vezes, quase simultaneamente. A denúncia do atraso dos trens que vão e vêm do e para o subúrbio, no caso carioca, é um tema recorrente de sambas. O Trem atrasou, de Paquito, Estanislau Silva e Artur Vilarinho, serve como meu apoio.

“Patrão, o trem atrasou
Por isso estou chegando agora.
Trago aqui um memorando da Central
O trem atrasou, meia hora
O senhor não tem razão
Pra me mandar embora”.

Até o dia em que o sujeito se aposenta e vai embora da cidade. Aliviado, diz orgulhoso: “Vou comprar um molinete, anzóis, todos os apetrechos para me dedicar à pesca.” Mas o zumbido da cidade permanece como se fosse um despertador rebelde que todos os dias dispara.
A cidade, seja metrópole ou não, permanece presente, num sinal evidente de um mundo vivido que resiste em abandonar o pescador aposentado, o caminhante de todas as manhãs ensolaradas à beira-mar.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

O poeta Zé da Feira

De frente a médica e ex-presa política Selma Bandeira, o poeta e repórter fotográfico José Feitosa e jornalista Freitas Neto.

Geraldo de Majella

José Alves Feitosa, jornalista profissional (repórter fotográfico) e poeta. Nasceu em 29 de março de 1951 na cidade de Paulo Jacinto, Alagoas. Filho do cearense Antonio Alves Barbosa e de Rosa Feitosa Barbosa. O pai “seu” Antonio, trabalhador, passou parte da vida entre Alagoas e o Ceará, mas em 1960 o velho artesão toma uma decisão definitiva na vida: fixou-se em Paulo Jacinto, região serrana no agreste alagoano. Estabelecido na cidade montou uma pequena fábrica de calçados de couro.

A produção da semana era vendida aos sábados nas feiras de Viçosa e aos domingos em Paulo Jacinto. Os chinelos, as alpercatas e os sapatos eram de boa qualidade, rapidamente formou uma boa clientela nas duas cidades. O negócio era pequeno, não dispunha de capital suficiente para comprar matéria prima em quantidade suficiente para obter maior lucro. Mas mesmo assim criou a família com o suor do seu trabalho.

José, o segundo dos filhos, depois de perambular como cigano com o pai entre Alagoas e juazeiro do Ceará, e também após o falecimento da mãe, dona Rosa em 1963, foi estudar em Viçosa, cidade vizinha onde morava o avô paterno “Seu” Camilo. O contato com os cantores, a música popular e a poesia de cordel, abriu uma janela na vida do adolescente que mais tarde se tornaria poeta.

O ambiente de boemia em Viçosa, terra de grandes figuras, como o músico Zé do Cavaquinho, Teotônio Vilela, Octavio Brandão, José Maria de Melo, José Pimentel, José Aloísio Brandão, Alfredo Brandão, Sidney Wanderley, Denis Melo, Eloi Loureiro Brandão, Nelson Almeida e outros. Feitosa, diz sempre que: “Foi em Viçosa que iniciou o aprendizado do jornalismo e de minha profissão de repórter fotográfico.”

Trabalhou como repórter fotográfico em todas as redações de Alagoas, dos extintos Jornal de Alagoas, o mais antigo do Estado, que pertencia a cadeia dos Diários Associados e Jornal de Hoje, até os atuais Gazeta de Alagoas, Tribuna de Alagoas, na primeira fase do jornal, quando foi inaugurado e pertencia ao saudoso senador Teotônio Vilela. Novamente está trabalhando como repórter fotográfico na redação do jornal Gazeta de Alagoas.

O fotógrafo desenvolveu habilidade e apurou a sensibilidade no dia-a-dia: cumprindo pautas, fotografando a seca, a miséria no sertão de Alagoas ou em Maceió, captando cenas cruéis de crianças saciando a fome catando resto de comida no lixo para comer em bairros periféricos. O olho de repórter e a sensibilidade de poeta caminharam juntos, sempre e desse feliz casamento nasceu um grande fotografo e cidadão.

O dia-a-dia na redação de um jornal é, para muitos, enfadonho, sem grandes perspectivas, mas para José Feitosa, essa rotina foi superada com os projetos que desenvolveu. O afastamento temporário das redações aconteceu em vários momentos. Primeiro vieram as campanhas eleitorais, ao ser tratado para cobrir campanhas de candidatos majoritários tanto ao governo de Alagoas como ao senado da República, em 1982 e 1986.

Nas eleições de 1982 entregou-se de corpo e alma, passou a ser fotógrafo e poeta oficial dos candidatos José Costa e José Moura Rocha. O Brasil desde 1966 não elegia os governadores dos estados, a ditadura militar havia acabado com as eleições diretas através do voto popular, os governadores passaram a ser escolhidos pelas assembléias legislativas.

A década de 1980 entrou com esperanças de que o país superaria a ditadura militar. José Feitosa foi eleito dirigente sindical, em diversas oportunidades e para diversos cargos na diretoria do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Alagoas. O movimento sindical brasileiro havia crescido, greves eram proibidas, mas os trabalhadores vinham realizando movimentos paredistas em vários estados e categorias, os jornalistas de Alagoas também fizeram a sua em 1979.

A luta contra censura nas redações era uma das principais bandeiras dos jornalistas. Em todos esses momentos esteve presente o jornalista e poeta José Feitosa, o Zé da Feira.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Amigo Majella


(*) Carlito Lima


É quase meia-noite, 3 de outubro, resolvi lhe escrever, narrar os acontecimentos desse belo dia de eleição, significativo para a democracia. Pela manhã telefonei para sua filha, Isabella; ela deu-me boas notícias: breve você sai da UTI, um alívio. Seu infarto foi uma notícia apreensiva para os amigos, ainda bem que a equipe do Dr. Wanderley, Dr. Gilvan, resolveu seu problema. Cuide bem desse coração, tem um monte de mulheres bonitas para lhe dar trabalho. Ele deixou seus amigos preocupados.

Majella, você é uma figura especial nesta terra caeté. Saiu de Anadia jovem, em busca de ideais nas esquerdas da vida, lutou; batalhou pela redemocratização do Brasil e tem uma boa parcela nessa luta. Homem culto, eclético, você tem uma peculiaridade importante: detesta a hipocrisia. Podem dizer, sou suspeito para falar, mas amigo é para essas coisas: ver o lado bom; seus defeitos, deixo-os para os inimigos, aqueles mal- amados que destilam veneno, inveja.

A vida é bela, está esperando-o aqui fora. Contaram-me que três competentes enfermeiras fizeram raspagem antes dos procedimentos médicos; você se empolgou, se deliciou com seis mãos femininas alisando, raspando os pelos pubianos. O bom humor prevaleceu nesse momento difícil. Esse pequeno detalhe é sintomático nos grandes homens: encarar a morte com naturalidade e com coragem. Ainda bem que não chegou sua vez, pois temos ainda muitos papos divertidos na sorveteria Bali, olhando as belezas da Pajuçara. Você é um apreciador de mulheres, portanto, um apreciador da vida. Tenho certeza de sua breve recuperação. Mas vamos aos acontecimentos de hoje, motivo dessa carta à quase meia-noite.

Resolvi só votar pela tarde; na manhã fui ao acarajé da Irmã, praia da Jatiúca. Peguei mesa e cadeira, e saboreando o acarajé dei uma olhada em torno da praia. A meu lado, sozinha, embaixo de uma sombrinha, uma bela morena, biquíni azul-claro, tomava cerveja em lata. Em dia de eleição a lei seca não vale na praia; ainda bem que existem essas pequenas violações às pequenas leis. Não foi para me enxerir, puxar assunto, juro, a morena estava com uma filha de seis a sete anos dentro d’água. Adverti a moça, a maré enchendo, as ondas tornando-se bravas, era bom ficar de olhos abertos para a criança dentro do mar. Ela me agradeceu, levantou-se, trouxe a menina para mais perto, sentou-se novamente, tomando a cerveja na mão. Disse não ser sua filha, mas filha do homem com quem vivia; não parou mais de falar, contou a vida em três latinhas de cerveja. Por gentileza, dei atenção. Não faz mal ser gentil na praia quente, ao meio-dia.

Do outro lado, três senhores gordos discutiam sobre candidatos; o mais exaltado apelava pelo voto em branco, não havia mais esperança para o Brasil. Outro gordo interferiu; chamando-o de derrotado, citou políticos merecedores de votos, trabalhadores, que ele votaria no fulano e na sicrana. Discussão prolongada, todos falavam, ninguém ouvia; como futebol e religião.

Apareceram duas morenas, em minha frente estenderam suas toalhas. Bem devagar, num ritual sincronizado, as deusas tiraram short e blusa como se fosse um strip-tease particular. Eu acompanhei todos os detalhes daqueles movimentos corporais, lembrei-me dos versos de uma ciranda, “... Eu disse tem morena, mulata, dessa que a morte mata e depois chora com pena”. Ajeitaram o biquíni em cima, embaixo, deitaram-se, deixando o sol acariciar a pele morena da cor de mel de engenho. Lembrei-me de você, Majella, aí na UTI e eu, privilegiado, olhando as Vênus calipígias, morenas tropicanas. Logo chegaram dois atletas, sarados, sentaram-se a passar óleo nas costas das moças: eram os donos do pedaço.

Meia-noite, as eleições estão decididas, apuradas, contadas no computador, rápido; outros países não têm nossa tecnologia, o Brasil está na ponta. Há bem pouco tempo se passava um mês para finalizar uma apuração. Amigo Majella, por telefone eu não lhe passaria o resultado com medo de outro infarto. As pesquisas furaram! Lula havia preparado uma festa de arromba para a comemoração da vitória da Dilma no 1° turno, mas a Marina botou água no chope, aliás, no uísque, adiando a festa. Resta não morrer na praia.

Alguns “taturanas” foram eleitos, outros não. Um dia o povo vai acertar; não acertou ainda porque não chegou o dia. Injustiça sempre haverá, faz parte da democracia. Não conheço outro regime melhor. Um abraço, Majella. Restabeleça-se, pois os amigos exigem o retorno de sua alegria e de sua sabedoria. Você é um historiador importante para escrever a história política das Alagoas. Até mais ver!!!


Carlito Lima - escritor e Membro da Academia Alagoana de Letras.