segunda-feira, 31 de março de 2014

50 anos do golpe militar ( I )


O general Mourão Filho com o governador Magalhães Pinto
 

 

(*) Geraldo de Majella

 

         O general Olympio Mourão Filho, comandante da 4ª Região Militar e da 4ª Divisão de Infantaria, e o general Carlos Luiz Guedes da Divisionária/4, tinham pressa. Mourão,  experiente golpista,  decide descer a serra de Juiz de Fora [MG], na madrugada de 1º de abril de 1964, em direção ao Rio de Janeiro, comandando a sua tropa, antecipando o golpe militar.

         O general Carlos Guedes fica em Minas, e em Belo Horizonte, juntamente com o governador Magalhães Pinto, articula a adesão dos políticos, dos empresários e dos militares mineiros contra o presidente João Goulart.  

         O golpe tem origem na embaixada norte-americana no Rio de Janeiro, onde o embaixador Lincoln Gordon, seu estrategista e coordenador, cuidava dos detalhes de como e quando seria deflagrado o golpe e a consequente deposição do presidente constitucional João Goulart.

No dia 20 de março, Gordon viaja a Washington para se reunir na Casa Branca com o presidente Lyndon Johnson. Estiveram presentes à reunião o secretário de Estado Dean Rusk e o chefe da Agência Central de Inteligência (CIA), John McCone. Oito pessoas participaram desta reunião.

          Informado, o presidente dos Estados Unidos toma a decisão de enviar a força naval para intervir no Brasil, com a ressalva: caso houvesse necessidade. Como ouvia rumores de que poderia haver reação dos governistas, preventivamente os EUA despacham navios para a costa brasileira. Não houve resistência alguma e não foi necessário o uso da força naval. 

         O Rio de Janeiro ainda era o centro dos acontecimentos políticos. Em 1961, há três anos Brasília passara a ser a capital e se encontrava em fase de estruturação. O presidente João Goulart, o deputado Tancredo Neves, líder do governo na Câmara Federal, e o secretario de Imprensa da Presidência, Raul Ryff estavam no Rio de Janeiro, no dia 30 de março. Jango se aprontava  para discursar para suboficiais e sargentos das Forças Armadas reunidos no salão do Automóvel Clube do Brasil.

         Os golpistas também estavam na cidade do Rio de Janeiro. Em Ipanema, na Zona Sul, encontravam-se os generais Castelo Branco, Ernesto Geisel e Golbery do Couto e Silva, que mantinham contatos com militares e civis, à espera da melhor oportunidade para o golpe.

         Na praia do Flamengo, o embaixador Lincoln Gordon se abastecia de informações transmitidas pelos seus agentes e pelos golpistas nacionais e as enviava à Casa Branca, ao presidente Lyndon Johnson. Este, horas antes do golpe, descansava em seu rancho no Texas, sendo informado pelo secretario de Estado da démarche no Brasil.

 No final da noite, às 23h35 do dia 30 de março, pelo telefone o presidente Lyndon Johnson recebe uma ligação de Dean Rusk, secretário de Estado: “A coisa pode estourar a qualquer momento. [...] Pedi ao Bob McNamara que apronte alguns navios-tanque para suprimentos. [...] Esta é uma oportunidade que pode não vir a se repetir. Acho que é possível que esse assunto brasileiro exploda de hoje para amanhã, e estarei em contato com o senhor sobre isso, para que o senhor possa se planejar” (Gaspari: 2002:66).

Antes, em 1962, na manhã do dia 30 de julho, no salão oval da Casa Branca, o presidente John Kennedy e o embaixador Lincoln Gordon trataram do golpe no Brasil. A audiência foi gravada pelo presidente Kennedy. O dialogo anos depois é revelado e faz parte do acervo do ex-presidente:

[Gordon] – Creio que uma de nossas tarefas mais importantes consiste em fortalecer a espinha militar. É preciso deixar claro, porém com discrição, que não somos necessariamente hostis a qualquer tipo de ação militar, contanto que fique claro o motivo.

− Contra a esquerda – cortou Kennedy.

− Ele está entregando o país aos...

− Comunistas – completou o presidente.

− Exatamente. Há vários indícios de que Goulart, contra a sua vontade ou não [inaudível]... ( Gaspari 2002:60).

A partir desse momento o golpe entrou efetivamente na agenda do governo norte-americano, visando à sua efetivação através de apoios logísticos, financeiros e políticos. A CIA e o IBADE passaram a financiar campanhas eleitorais, a comprar espaços na imprensa nacional, a financiar estudos e pesquisas. A Igreja Católica foi uma aliada dos golpistas desde os primeiros momentos, mobilizando seus fiéis em diversas capitais e cidades do país.

Dá-se tanto nos EUA quanto no Brasil a difusão de noticias na imprensa dando conta de que João Goulart estava preparando a criação de uma “Republica Sindicalista” e vinha se tornando um aliado de Cuba e da União Soviética.

A Guerra Fria travada entre EUA e URSS dividia o mundo em dois blocos políticos e econômicos e inspirava essa ardilosa campanha externa e interna contra Jango e sua política intitulada genericamente de Reforma de Bases. Aos olhos dos EUA as reformas de bases e o controle da remessa de lucros das empresas estrangeiras eram os sinais do comunismo anunciado pelo governo João Goulart.

No dia 1º de abril o golpe é anunciado. O presidente João Goulart é deposto do cargo e milhares de prisões são realizadas em todas as regiões. A ditadura militar tem duração de 21 anos.

 

(*) Historiador

 

Gaspari, Elio. A Ditadura envergonhada, São Paulo, Companhia das Letras, 2002, p. 66,60.

terça-feira, 11 de março de 2014

Viçosa Cheia de Graça


 

 O poeta Sidney Wanderley
 

Por: ANTONIO SAPUCAIA − desembargador aposentado

Recebi, li e gostei enormemente de Cidade, o mais recente trabalho de Sidney Wanderley. Seu livro é uma metrópole de bom humor, além de retratar, em pedaços e com jocosidade, a cidade a que mais amo depois da Pilar em que nasci: Viçosa de Alagoas. A hilaridade de que está impregnada cada crônica traduz-se em meizinha predisposta a curar desânimo, fígado doentio, qualquer tipo de melancolia e tristeza, salvo aqueles que exigem tratamento psiquiátrico. Teria sido influência do farmacêutico Zé Aragão ou do médico José Pimentel de Amorim?

Conhecia o poeta de Chuva e não, Dias de sim e poemas outros espalhados em jornais da terra; conhecia o corregedor de textos e, em raras e felizes oportunidades, cheguei a conhecer um pouco o divertido orador. Mas esse cronista que nos arranca da mais arraigada casmurrice, que nos alegra e faz festa para a nossa alma, foi-me agradável surpresa. Restituiu-me ele, em lembranças, figuras como Zé Aragão, Zé do Cavaquinho, Sinésio Rodrigues, padre Jatobá, Manoel Acioli, com o seu andar desleixado que fazia coro com o paletó que lhe caía pelos ombros, e de quem adquiri alguns livros fiado, sobretudo exemplares da “Revista Forense”.

 

A leitura de Cidade me foi benéfica, em termos de recordações, merecendo destaque a “Feira de Viçosa”, que expõe um retrato sem retoques, fotografada que foi com muita fidelidade. Lamentei não encontrar uma crônica específica sobre o rio Paraíba, com as suas pedras enormes e expostas em tempo de escassas chuvas, escondendo o Schistosoma invisível que só iria dar sinal de vida em alguns ventres inchados, que nele se banhavam. “Conversa de suicidas”, que mistura o trágico e o cômico, é coisa de causar inveja a Machado de Assis nalguns momentos de fina ironia. Que conselheiro fabuloso revela-se o Sidney Wanderley numa rápida troca de correspondência com um candidato ao suicídio! Nem mesmo os padres escaparam do chiste bem construído pelo autor.

 

O bom mesmo é ler o livro todo num só deitar de rede, como eu fiz, sem deixar para depois as “Coisas de jornal”, que foram pescadas pelo autor em antigos jornais da cidade. Sidney Wanderley pintou Viçosa usando vívida tinta de recordações e pincéis de graciosidade, o que deixa o leitor de mão no queixo diante de Cidade, já agora erguido nas livrarias.

 Gazeta de Alagoas -5/3/2014 - p. 4.