domingo, 2 de maio de 2010

Marcus Vinicius

O cantor Ivon Curi (de gravata borboleta), Maria Cândida, Marcus Vinicius e Luiz de Barros

(*) Marcos de Farias Costa


Na minha imodesta opinião, Marcus Vinicius (Pão de Açúcar/AL, 14/2/1937-Maceió, 7/5/1976) foi o maior cantor alagoano de todos os tempos. Justificarei, ao rolar das linhas, a empolgada afirmativa. Não escrevi “seresteiro” porque ele não foi somente um cantor de serestas. Marcus Vinicius era um intrépido intérprete de sambas e de outros gêneros, na sua voz grave e sonora, de timbre aveludado, com entonação de barítono e leve impostação lírica.

Na época em que frequentava o Bar da Jaqueira ninguém interpretava igual a ele o praticamente correto Samba da bênção (Vinicius de Morais/Baden Powell, lançamento em 1966) ou a plangente Modinha (Sérgio Bittencourt, lançada em 1968), ou mesmo a clássica canção Chão de estrelas, do genial Orestes Barbosa (em parceria com Sílvio Caldas e lançada em 1937). O seu repertório era extenso e intenso, desde ralentados sambas-canções até lépidas e velozes marchinhas carnavalescas e outros gêneros, passando pelo fox, a valsa, o bolero (Ansiedade, do alagoano Antonio Paurílio, que só ele cantou a primeira parte e que não foi gravada “completa” por Alcides Gerardi, em 1952), o tango e outras variedades de canções.

Uma noite eu saía de um barzinho situado na Praça do Pirulito e passei no mercado público para comprar cigarros. Aproveitei e pedi uma saideira no balcão, e depois uma cerveja pra lavar a “prensa”, quando ouvi uma voz afinadíssima crescendo na noite. Apurei os ouvidos e percebi que alguém cantava o samba Chuvas de verão, de Fernando Lobo (lançado em 1949, na voz de Francisco Alves e regravado por Caetano Veloso, quase duas décadas depois). Apurando a visão, reconheci o cantor que vinha a pé, acompanhando-se ao violão e fazendo uma solitária serenata noturna em via pública. Era o Marcus Vinicius e vinha de grossa farra lá do Bar de “Seu” Didi. Para os mais jovens eu informo que o “Seu” Didi era o proprietário do frequentadíssimo Bar da Jaqueira, espécie de bunker lírico-musical dos anos 60, para os estudantes que entediados e revoltosos com a ditadura militar dos anos de chumbo, buscavam boa música e papos amenos e menos politizados.

Dizem que Nélson Gonçalves ao ser entrevistado e inquirido se haveria algum cantor no Brasil cuja voz se equiparasse com a sua, de supetão o cantor gaúcho gago disparou: “Marcus Vinicius, lá de Maceió”. Não sei se é verdade ou lenda, mas isso foi muito comentado em Maceió, em meados da década de 60, e entre a lenda e o fato eu fico com a lenda.

Certa manhã eu bebericava com o compositor Juvenal Lopes — no Bar do Chope, por volta de 1986 — quando um grupo de estudantes veio nos perguntar quais os dois maiores cantores alagoanos de todos os tempos. Nem titubeei: Augusto Calheiros e Marcos Vinicius. Juvenal, ao lado, sorriu, concordando.

Infelizmente Marcus Vinicius não deixou sua voz documentada em disco; só em precários registros em gravadores de rolo: uma dessas gravações eu ainda possuo, ele cantando e sendo acompanhado pelo pianista Nelson Almeida. Estas fitas antigas devem estar em extinção, e as que restam se encontram nos arquivos implacáveis dos colecionadores ou pesquisadores de música popular. Se Alagoas fosse um estado que valorizasse e preservasse os seus artistas, teríamos convertido para CD a única e última possibilidade sonora de resgate vocal deste extraordinário cantor, com arranjos modernos e participação dos artistas da terra. Mas isso seria sonhar acordado e com o ovo no uropígio da galinha.

Quando hospitalizado e com a saúde ameaçada, o boêmio e cantor Marcus Vinicius recebia os amigos da melhor maneira possível: além do bom papo habitual que era a sua marca registrada, ligava o passa-disco e ficavam horas escutando os clássicos da MPB, os seus ídolos Chico Alves, Sílvio Caldas, Orlando Silva e outros cartazes de sua preferência, buscando sofrear os que, emocionados, ameaçavam cair no choro. Os que o acompanharam no momento do último mistério afirmam que ele morreu cantando, como o poeta e visionário inglês William Blake.

Conheci Marcus Vinicius pessoalmente e uma vez apresentei-lhe um projeto de espetáculo musical no Teatro Deodoro (um dos milhares que morreram na gaveta do esquecimento), onde ele interpretaria o repertório dos grandes compositores do passado, como João da Baiana, Pixinguinha, Caninha, Donga, Sinhô, Brancura, Bide, Nilton Bastos e Ismael Silva, entre outros craques. Aí ele comentou, lúcido e entusiasmado: “Estes são os pioneiros!”. E seguimos pro bar do Eliel, situado na Rua Cincinato Pinto, para afogar as mágoas com mais uma meiota de cachaça. Mas sem esquecermos a chalaça.

E volto a repetir em minha festa imodesta que Marcus Vinicius foi o maior e melhor cantor alagoano de todos os tempos. Com a diferença que cantava grosso e não usava tatuagem nem brincos. Até amanhã − se Deus quiser.

(*) Colaborador do blog e testemunha ocular e contemporâneo dos fatos aqui relatados.

4 comentários:

  1. Morreu muito cedo,de cirrose? Sempre ouvi falar muito bem de Marcus Vinícius.Voz e alma de artista. O pai dele também era artista múltiplo.

    Clap! Clap! Clap! Belíssima crônica! Parabéns ao meu amigo Marcos de Farias Costa pela escrita e a você,Majella,pelo BLOG. estou adorando.

    Cidinha Madeiro

    ResponderExcluir
  2. Certamente Marcus Vinicius teve muitos amigos. Um deles também assíduo na Jaqueira foi Walter Souza, cantor, ex-diretor da Rádio Difusora e funcionário do Teatro Deodoro. Marcus Vinicius morreu decorrente de complicações de uma neoplasia maligna. Tive oportunidade de conhecê-lo e participar de algumas serestas - tendo ele como estrela - com o pintor Milguel Torres no violino, dentre outros, nos fundos do Teatro Deodoro. Parabéns pelo artigo. Ronald Mendonça

    ResponderExcluir
  3. Caro Marcos Farias, conhecido tambem
    fraternamente pelo apelido de "jaboti", apelido esse colocado pelo saudoso Ionildo, o folclorico "buiuha". Tambem tive o previlegio de conhecer Marcos Vinicius, como tambem seus irmaõs Fernando Ganso e Tarso Maciel. Todas as noites iamos ao bar do "didi" com a esperança de ouvir aquela voz maravilhosa, infelismento ele se foi muito cedo. Parabens pelo artigo,um abraço Maurilio Procópio.

    ResponderExcluir
  4. Perdemos todos nós pela falta em Alagoas provincia de uma gravadora a época como no mais proximo pernambuco a ''Mocambo", poderiamos ter uma por nome de Gravadora Palmares, ficou o vazio auditivo. Assim como a voz de Zezé de Almeida nenhum registro fonografico.

    ResponderExcluir