Kátia Born, prefeita de Maceió rompendo o cerco militar na Praça Dom Pedro II
17
de julho de 1997
(*) Kátia Born
O dia 17 de julho de 1997 passou para a
história de Alagoas como o dia em que o povo exigiu, nas ruas de Maceió, a renúncia
do governador Divaldo Suruagy. A crise moral, ética, econômica e administrativa
tornou o nosso Estado ingovernável. Os funcionários públicos ficaram durante dez
meses sem receber os seus salários e o crime organizado controlava
integralmente a segurança pública.
A administração se achava nas mãos de um
secretário da Fazenda que conduziu calma e seguramente o Estado ao maior abismo
econômico do século XX. Alagoas ficou à deriva. Era o fim do ciclo iniciado em
1983, quando a fraude derrotou José Costa e a administração estadual consistia
num condomínio que algumas famílias e a oligarquia dominavam a ferro e fogo.
Amanheci o dia 17 de julho no programa
do França Moura, na Rádio Gazeta de Alagoas. Era possível perceber o clima
pesado. As lideranças sindicais achavam-se nas ruas de Maceió já no início do
dia; policiais militares e civis armados, em meio a milhares de servidores e
populares, marchavam em direção à praça Dom Pedro II, onde fica a Assembleia
Legislativa. Tudo poderia acontecer, até mesmo um banho de sangue. Certamente
muitos poderiam morrer crivados de balas dos militares.
Durante o dia 16 recebi informações
da assessoria militar do meu gabinete, de companheiros do movimento sindical e
de outras fontes, inclusive de oficiais superiores do Exército brasileiro. Nada
indicava que o dia 17 seria um dia em que os servidores fariam mais uma
passeata denunciando o estado de miséria e abandono.
Ao amanhecer o dia 17 de julho, o
prédio da Assembleia Legislativa foi tomado militarmente pelo Exército. As
tropas ocuparam-na ostensivamente e se postaram em sentido de defesa do Poder
Legislativo. Os militares da PM, sob o comando da suas entidades de classe,
também se postaram em posição de ataque. Estava montado o cenário ideal para a
guerra anunciada.
Antes do dia 17 de julho mantive contatos
com militares das Forças Armadas, que me externaram preocupação com a situação
caótica e, sobretudo, pelo claro, para eles, descontrole na segurança pública.
A cadeia de comando na Polícia Militar estava combalida, segundo avaliação de
oficiais superiores do Exército, o que para eles era um fato inconcebível.
Os militares residentes em Alagoas
acompanhavam o dia a dia e, pasmem, não acreditavam que a Polícia Militar fosse
capaz de manter a ordem, e muito menos a segurança pública, devido à
insubordinação da tropa e ante a possibilidade de ocupação do Palácio Floriano
Peixoto ou mesmo da Assembleia Legislativa.
O descontrole e a crescente mobilização
dos servidores civis e militares e da população indicavam a gravidade dos fatos.
Aumentava ainda mais a crise de Poder, evidenciando a ingovernabilidade.
A sucessão de tragédias familiares vinha
acontecendo dia após dia. Funcionários públicos desesperados cometiam suicídio:
assassinavam seus familiares e em seguida atentavam contra a própria vida. A
falência no comércio em Maceió e nas cidades do interior crescia enormemente;
um rastilho de sangue e dor se propagou por toda Alagoas.
Terminada a entrevista com o radialista
França Moura, fui ao encontro da multidão de funcionários públicos e populares
na praça Dom Pedro II. Senti-me no dever de entrar no prédio do parlamento
estadual, ocupado pelo Exército. Pelo microfone do carro de som dos
manifestantes falei a todos e disse que iria como prefeita de Maceió adentrar o prédio. Postei-me
entre os militares da Polícia Militar de Alagoas e dos policiais civis, e
juntos derrubamos as grades – menos pela nossa força física e muito mais pela
aglomeração da multidão forçando as grades. Desse momento em diante foi aberto
fogo pelos militares do Exército. Felizmente, diante da multidão enfurecida, os
militares recuaram.
A cena de guerra, a derrubada da grade e
todo o clima de quase insurreição popular certamente abreviaram a renúncia do
governador Divaldo Suruagy. O dia 17 de julho de 1997 mudou Alagoas. E o
Partido Socialista Brasileiro (PSB) nesse contexto contribuiu enormemente para
que ocorressem mudanças significativas em Alagoas.
(*)
Ex-prefeita de Maceió, Secretaria de Estado da Mulher, da Cidadania e dos
Direitos Humanos.
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