quinta-feira, 1 de agosto de 2013

O Polígrafo Cabano



Dirceu Lindoso e a esposa Lia Lindoso almoçando com o historiador Douglas Tenório


Dirceu Lindoso ao se formar em Direito




Dirceu Lindoso e o editor José Olimpio no Rio de Janeiro
 
 
 
 

 
Geraldo de Majella
 

         A trajetória intelectual de Dirceu Accioly Lindoso é multifacetada e em certa medida foge ao natural caminho acadêmico stricto sensu, ambiente de formação e projeção de quase todos os intelectuais de sua geração em diante. A ambiência intelectual que impulsionou o jovem de então, Dirceu Lindoso, foi a árdua trabalheira na imprensa comunista das Alagoas. A redação da A Voz do Povo, semanário de propriedade do extinto Partido Comunista Brasileiro (PCB) – fundado em 1946 e destruído pelos militares golpistas  em 1º de abril de 1964 –, descortinou um novo cenário, o da luta social e do marxismo.  

Se iniciou cedo nos trabalhos jornalísticos, como ele mesmo costuma dizer; e fez dessa atividade um ponto de difusão da sua produção intelectual, ainda, muito jovem. Hoje podemos afirmar que Dirceu Lindoso pertence a uma tradição de intelectuais que tiveram no jornalismo de esquerda e operário o caminho primeiro de uma virtuosa carreira intelectual, como percebemos ter também acontecido com Octavio Brandão, Alberto Passos Guimarães, Jayme Miranda, Aylton Quintiliano, Bercelino Maia e André Papini Góes.

A primeira contribuição com a imprensa veio em forma de artigo publicado no Diário de Pernambuco, que teve como tema a obra de Josué de Castro que viera a Maceió a convite dos estudantes da Faculdade de Direito falar sobre o problema da Fome.

Trabalhou no jornal carioca O Globo, quando residia na cidade do Rio de Janeiro, tempo após sair da prisão política ocorrida em Maceió, encarceramento que durou de abril a novembro de 1964. Manteve a distancia permanente contribuição nos jornais de Maceió, enviando artigos para A Tribuna de Alagoas, O Jornal, Gazeta de Alagoas e Extra. Em Petrópolis, publicou trabalhos no Correio Petropolitano e Tribuna de Petrópolis.

Esse incansável intelectual jamais deixou de influir e contribuir com qualquer espécie de publicação, mas foram, talvez, as publicações do antigo Partido Comunista Brasileiro (PCB) – de circulação nacional, como o jornal do Comitê Central Voz da Unidade – onde colaborou semanalmente por quase uma década de maneira ininterrupta –, e as revistas Problema da Paz e dos Socialismo e Novos Rumos, essa última publicação do Instituto Astrojildo Pereira.        

         Advogado, por formação, com pouca atuação nessa área, apenas, defendeu em episódios esporádicos trabalhadoras rurais do município de Pilar, em Alagoas, no início da década de 1960. Na condição de advogado foi designado pela direção regional do PCB para defender os índios Wassú Cocau que – à época, início de 1960 –, continuavam lutando pela demarcação das suas terras no município de Joaquim Gomes e jovens estudantes vinculados ao PCB que apoiavam a luta indígena haviam sido detidos pela polícia local, em socorro, lá esteve o advogado Dirceu Lindoso. Foram essas, e talvez alguma outra atuação esparsa, as suas atividades concretas como causídico.

         Toda a sua energia e argúcia vem sendo empregada na pesquisa etnológica, histórica, na tradução de clássicos do marxismo, a exemplo dos filósofos francês Louis Althusser e do húngaro Gyorgy Lukács, do economista francês Charles Bettelheim, do psicanalista suíço Jean Piaget e filósofo e economista alemão Karl Marx, entre outros.

         Dirceu Lindoso tem se dedicado a pesquisar e revelar inovadoramente temas fundamentais da História de Alagoas, mas que a historiografia oficial insistiu em esconder e quando tratou, invariavelmente o fez com o viés do preconceito, colocando-o na categoria dos marginais, na vã tentativa de que esses episódios fossem esquecidos para sempre. Evidente que isso não ocorreu os cabanos foram redescobertos, inicialmente por Manoel Correia de Andrade em A Guerra dos Cabanos em terras Pernambucanas, em 1965, quando é publicado o seu livro.

         A Guerra dos Cabanos (1832-1850) importante acontecimento da história de Alagoas, descoberto, ainda na juventude, passou a ser o tema principal e pelo qual a vasta obra do historiador, etnólogo, ensaísta, romancista e poeta gira centralmente. O povo cabano é objeto de estudo e uma verdadeira paixão para o polígrafo e passa a ocupar papel essencial nos estudos históricos de A Utopia Armada, seu principal livro, publicado em 1983. Antes, a escrita e a fala cabana havia ganho destaque através dos romance Póvoa-Mundo de 1982.

A trajetória na pesquisa antropológica tem sido cada vez mais significativa e diversificada, são inúmeros textos publicados em vários momentos e veículos, como os Anais da Biblioteca Nacional e a Revista Eclesiástica Brasileira que deram guarida aos textos: Na Aldeia de Ia-ti-lhá: Etnografia dos Índios Tapuia do Nordeste, republicado agora na Coleção Índios do Nordeste: Temas e Problemas, vol. VII (Almeida, Luiz Sávio; Silva, Christiano Barros Marinho et alii Orgs.); o Cônego e a Catequese Indígena; e O Andarilho e a Mãe-de-Santo: O Negro na Obra de Arthur Ramos.

         Moreno Brandão em sua História de Alagoas se refere ao comandante cabano, Vivente de Paula como: “um desses tipos truculentos e ferozes, que os sertões mal policiados do Brasil criam e desenvolvem na atmosfera da proteção criminosa que dispensam as autoridades coniventes com o seu banditismo e o povo inculto, amigo de todas as manifestações violentas da força, prestigia, propagando a fama de suas bravuras por largas extensões regionais do país”. O discurso anticabano tem um forte conteúdo ideológico elaborado pelos historiadores da classe dominante que imputaram aos papa-meis que são os índios aldeados, lavradores e moradores pobres e escravos oriundos do sul de Pernambuco e norte das Alagoas. Todo o esforço teórico desenvolvido por Lindoso é realizado no sentido de que o discurso ideológico confeccionado pela classe dominante e seus historiadores que criminalizam a luta desse povo e por muitos anos passou a ser visto pela História Oficial – dominante até então –, como um acontecimento secundário de nossa História.

         Em companhia de Manoel Correia de Andrade, Décio Freitas e Luiz Sávio de Almeida, Dirceu Lindoso deu a mais importante contribuição sobre a Guerra dos Cabanos, luta onde ricos senhores proprietários de engenhos de açúcar, restauradores e absolutistas convocaram os pobres da terra situada ao sul de Pernambuco e ao norte de Alagoas, a época já independente, para de armas nas mãos, trazer de volta ao trono imperial D. Pedro I. Os convocados eram índios, negros escravos, moradores e lavradores, a gente cabana.

Dirceu Lindoso é o responsável, em terra alagoanas, pela “redescoberta” do povo cabano e sua colocação na história de Alagoas, desta vez, na condição de acontecimento histórico significativo e digno para todos nós, livre de quaisquer tipo de preconceitos. Esse entre muitos outros tem sido o mérito fundamental nos estudos e nas pesquisas realizadas pelo historiador marxista nascido diante do lagamar do Gamela na sua Maragogy, antiga pars borealis de Alagoas, teatro que foi de guerra dos índios, negros, brancos pobres que formaram o povo cabano de quem tanto Dirceu se orgulha dele descender.   

O Poder Quilombola – a comunidade Mocambeira e a Organização Social Quilombola, é mais uma obra escrita pelo autor de A Utopia Armada. Sentido a falta de textos produzidos por historiadores alagoanos, numa tarde de janeiro de calor abrasador lhe pedi, depois de ouvir do próprio Dirceu que tinha a intenção de escrever um livro sobre Palmares e seus quilombolas. Poucos meses após conversarmos é possível entregar ao Brasil esse texto em mais um 20 de novembro data comemorativa da consciência negro em nosso país.           

         Índios, negros e populações excluídas foram e continuam a ser o tema central da vasta obra desse importante intelectual das Alagoas. Dirceu Lindoso não só é um irrequieto intelectual, contraditoriamente ao seu temperamento calmo e sereno, mas, inegavelmente o mais importante historiador dos últimos cinqüenta anos em nossa terra. E de quem os outros historiadores seus contemporâneos, devem se mirar.

         Axé.   

        

        

 

        

                 

 

 

 

 

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