(*) Geraldo de
Majella
Andar com doidos, ando desde muito
cedo, quando ainda era criança. Minha mãe me acusava de atrair doidos.
− Você só procura doidos. Deixe de andar
com essas companhias, menino!
Reporto-me à a pré-adolescência, fase da
vida em que não existe censura prévia, nem, de modo algum, andar, brincar e
conversar com doidos é normal. Pelo menos para mim era perfeitamente normal.
As ordens, determinações de testa
franzida e tom grave de minha mãe, confesso, me intimidavam, mas não me
afastavam dos doidos. O diferente me atrai, ainda hoje. Transporta-me para um
outro mundo, não o deles, certamente, mas também não era o de minha mãe.
Aparentemente lúcido e racional.
“Casa de ferreiro, espeto de pau”, diz o
adágio popular. Nascido numa casa de classe média baixa do interior de Alagoas,
num tempo em que a mão de obra era farta, não tive babá.
As funções de babá foram exercidas pelo
meu tio Jonas. O tio querido me ninava e me fazia dormir, nos embalos de rede, todas
as noites. Jonas era doido, diagnosticado. Ou como se define hoje: pessoa com
deficiência mental.
A vida me conduz, me aproxima dos doidos,
conhecidos, amigos ou desconhecidos. Isabela, minha filha, assim como minha mãe,
também diz que atraio doidos. E que só tenho amigos doidos.
Sento-me num banco na orla de Maceió e
escuto um inusitado diálogo de um homem consigo mesmo. Perguntas, respostas,
diálogos entrecortados e resmungos. Olhei normalmente, permaneci discreto para
não causar estranheza ou mesmo chamar a atenção do falante.
Mas não demorou, fui chamado para a
inusitada conversa.
− O moço mora em Maceió? – fez-me a
pergunta educada e serenamente.
− Sim, moro na vizinhança − respondi
lacônico.
− Veja só como são as coisas. Minha
esposa não me deixa andar pela cidade.
− Ah, é? E você lhe obedece? – perguntei,
dando início ao diálogo.
− Que nada. Ando a cidade inteira. Tenho
posses e não ligo pra nada, quero caminhar anotando tudo que vejo pela frente.
− Certo.
Entrei na dele e já me tornei amigo de
infância. Em tom mais baixo e como se segredasse algo, lhe disse:
− Amigo, dinheiro foi feito para se
gastar. Não dê atenção para o que a sua mulher fala, não. Continue andando e
gastando. Quando a gente morre não leva nada.
− É o que faço. Você pensa que eu ligo?
Ela fala e eu ando, nem escuto. Sou assim desde criança.
Sem perder o embalo do papo, reforcei os
seus argumentos:
− Faça o que achar certo. Mas tenha
cuidado ao andar em ruas escuras, você com dinheiro no bolso pode ser
assaltado.
− Não tenho medo de nada, enfrento
qualquer parada − falou em voz grave, destemido.
− Amigo, me desculpe, estou indo. Tenho
um compromisso com a família. Mas quero, antes de me despedir, dizer que você
esta certo. Até logo.
Despedi-me do novo amigo e saí
intimamente às gargalhadas, lembrando da Nau [minha mãe] e da Isabela. Andei
com o vento batendo em minhas costas, convicto de que atraio realmente doidos.
São doidos de todos os tipos e jeitos, quadrantes e meridianos.
O significado de normalidade e
anormalidade para mim é variável e depende do contexto histórico e das
situações em que me encontro. O ato de sentar com um louco e dialogar é para mim
natural.
Pois,
para quem trabalha e trata cotidianamente com pessoas de humor instável, não
posso fazer alusão à loucura num sentido figurado.
Não são raros os dias da semana em que desejaria
passar horas conversando e “viajando” com loucos propriamente ditos e
diagnosticados. Isso me faria bem e equilibraria a minha saúde mental.
(*)
Historiador
Viver já é uma doidêra, amigo!
ResponderExcluirUm prazer ler o teu blog.
Abraço.