sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Josias Marques


 


 
(*) Geraldo de Majella

 

Josias de Souza Marques (1921-1987), meu pai, foi o primeiro humanista que conheci. Levou uma vida dedicada ao trabalho como proprietário de uma pequena farmácia, atendendo a população da cidade onde nascera, Anadia (AL).

O trabalho inerente aos profissionais da saúde, os médicas(os), enfermeiras(os), durante décadas foi realizado por ele, numa época em que não havia médico residindo na cidade e esporadicamente aparecia um médico, em geral no período eleitoral.

Os partos, as vacinas, as pequenas suturas, os cuidados básicos eram feitos em sua Farmácia Socorro. Trabalhou dedicadamente, durante quase quarenta anos, sem nunca ter tirado férias. 

Aquele homem gordo, calmo, sereno e com uma cabeleira cheia, preta, bem-humorado, era um sábio interiorano. Tolerante com quem divergia das suas opiniões. Uma das melhores qualidades.

Transmitiu-me, sem o tom professoral, e sem nenhuma arrogância, ensinamentos de vida com os quais me guiei.

Hoje estaria completando 92 anos. Morreu quando tinha apenas 66 anos, no dia 5 de maio de 1987.

 

(*) Historiador  

 

Incluir Direitos Humanos na Agenda Política


 
 
 
(*) Geraldo de Majella

 

O Brasil foi o primeiro país do Cone Sul a fazer a transição da ditadura militar (1964-1985) para a democracia. O regime militar resistiu, criou as condições ideais para realizar o que ficou consignado como a transição lenta, segura e gradual. Em 1979, o general João Figueiredo, o último ditador, enviou ao Congresso Nacional o projeto de lei que concedia a anistia para os presos e perseguidos políticos, entre eles os exilados e banidos.

Em vinte e um anos de ditadura, entidades da sociedade civil e personalidades do mundo cultural, jurídico, religioso e político denunciaram nacional e internacionalmente inúmeras violações dos direitos humanos, como a tortura, prisões, assassinatos e o desaparecimento de patriotas.

A luta em defesa dos direitos humanos, para muitos no Brasil, passou a simbolizar em primeiro plano as campanhas pelas liberdades, contra a censura, em favor do direito a manifestação e organização de partidos políticos, direitos suprimidos pelo regime militar.

Ao ser concluído o processo de transição, a democracia foi referendada através de eleições livres e da Assembleia Nacional Constituinte, que deu origem à nova ordem constitucional. O desmanche do arcabouço jurídico institucional não aconteceu de maneira automática. As resistências surgiram em todas as áreas do Estado brasileiro. E os setores mais comprometidos com a luta antiditatorial de um modo geral se bastaram com a defesa dos direitos humanos, quando o violador era o Estado ditatorial brasileiro.  

 A sociedade civil demorou a compreender que no momento pós-ditadura, a luta em defesa dos direitos humanos deveria ser ampla e focada nos setores mais vulneráveis. As bandeiras propostas inicialmente pelos partidos de esquerda foram se esvaindo com o lento cessar dos ecos ditatoriais.

O Estado brasileiro mantém-se como um violador contumaz dos direitos humanos, agora – desde 1988 − regido por uma nova ordem constitucional, mas com vícios antigos e com um aparelho de segurança ainda sob forte inspiração do período ditatorial, traduzido no militarismo adquirido no pós-64.     

As políticas públicas implantadas pelo Estado brasileiro têm os seus principais adversários nos remanescentes do período ditatorial: corporações militares, parlamentares direitistas, conservadores identificados com grupos de extermínios, setores da mídia, áreas do Poder Judiciário, entre outros.

O desafio posto é a transformação das políticas de promoção, proteção e defesa dos direitos humanos em bases centrais da política de Estado. Assim como o combate a inflação se transformou numa quase obsessão nacional e que, ao fim e a cabo, vem logrando êxito independentemente do partido político que esteja governando.

A afirmação dos direitos humanos não pode ser uma palavra de ordem, e muito menos um recurso de marketing utilizado pelos governantes em efemérides ou em solenidades realizadas em salões palacianos. A afirmação dos direitos humanos se dará na construção de ambientes do Estado brasileiro, nos três poderes. Quando se tratar da execução das políticas públicas, os três níveis do Executivo (União, Estados e Municípios) devem atuar em sintonia, no financiamento das políticas, na execução, na avaliação, no controle e na prestação de contas.

A integração das políticas públicas modificará, no médio e no longo prazo, a concepção do agente público, resultando na inevitável transformação da relação entre governos e sociedade. A implantação de políticas afirmativas de direitos humanos é o caminho mais curto para a superação da barbárie.            

 

Historiador, Superintendente de Políticas de Promoção da Cidadania e dos Direitos Humanos da SEMCDH.

 

 

 

 

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Caderno da Militância


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domingo, 24 de novembro de 2013

O Cartão Postal do Stuckert


 
 

 
 
(*) Geraldo de Majella

 

            Após servir a sobremesa do jantar, a minha companheira Vânia Assumpção, colocou sobre a mesa cinco álbuns de fotografias, coloridas e preto-e-branco, de sua coleção.

Olhei com a curiosidade dos que procuram descobrir preciosidades. Vejo-me, muitas vezes, como se fosse um garimpeiro à procura de esmeraldas, ouro ou pedras preciosas de valor. Os historiadores, em grande medida, são seres com essas características.

            Não demorou muito, abri um dos álbuns e me deparei com duas joias raras: cartões fotográficos de Roberto Stuckert.

Fiz uma inevitável pergunta:

− Vânia, onde você comprou?

− Não comprei, ganhei de presente.

E me explicou, detalhadamente, que havia recebido de Dona Alma, uma imigrante octogenária russa. Dona Alma havia chegado a São Paulo após a revolução socialista de 1917. Em 1984, Vânia alugou um dos quartos de sua casa, onde viveria por um ano enquanto fazia um curso de especialização em paisagismo.

Quando estava retornando a Maceió recebeu como presente os dois Stuckert. Passamos um tempo falando sobre fotografia e sobre o Stuckert e outros importantes fotógrafos alagoanos ou que por aqui estiveram.

Num gesto de desprendimento, recebo das mãos de Vânia os dois cartões. A partir de agora vão para a minha coleção, e como não sou fominha, vou disponibilizá-los através da internet, pelo Blog do Majella, Jornal da Besta Fubana e pela minha página no Facebook.

Mas, afinal, quem é o fotógrafo R. Stuckert, que assina os cartões fotográficos ou postais?

Os Stuckert são originários da Suíça, tendo chegado ao Brasil pelo porto de Cabedelo, em João Pessoa (PB), em 1900. O patriarca da família, Eduard Francis Rudolf Deglon Stuckert, um homem de múltiplos ofícios profissionais, era fotógrafo, desenhista, escultor e intérprete em oito línguas estrangeiras.

A viagem entre o continente europeu e o Brasil durou quase um mês. Eduard Stuckert foi o responsável pela elaboração das cartas náuticas. Em João Pessoa, fixa residência e começa a trabalhar como fotógrafo, em companhia dos filhos Manfred, Gilberto e Eduardo Roberto. Criou o Foto Íris, que posteriormente mudou de nome e passou denominar-se Foto Stuckert, na rua Duque de Caxias. Entre 1900 e 1930 realizou um importante registro fotográfico da cidade, e em 1942, no Rio de Janeiro, expôs a sua coleção de desenhos de bico de pena e nanquim no Museu de Belas-Artes.

O filho caçula, Eduardo Roberto, na década de 1950 deixa João Pessoa e ao passar por Maceió (AL), emprega-se no jornal Gazeta de Alagoas e se torna o precursor do fotojornalismo. É dessa época a coleção de cartões fotográficos ou postais impressos e distribuídos nacionalmente.

Ao deixar Maceió, dirige-e à então Capital federal, Rio de Janeiro, e passa a trabalhar no jornal O Globo. Em 1957, durante o governo Juscelino Kubitschek, é destacado pela direção do jornal para fazer uma longa reportagem da construção de Brasília.

Eduardo trabalhou durante um ano fotografando a construção da nova capital do país e registrando o cotidiano da construção e dos trabalhadores. Quando é chamado de volta ao Rio de Janeiro, deixa o filho Roberto Stuckert a documentar a construção de Brasília.

Roberto depois se tornou conhecido também como fotógrafo, recebendo o apelido de Stukão. É a terceira geração da família a fotografar profissionalmente. Ao filho não restou outra alternativa a não ser permanecer em Brasília, onde criou raízes.            

Poucos meses antes de Brasília ser inaugurada, Eduardo Roberto retorna com toda a família para o Planalto Central, onde fixa residência. Na década de 1970, com os filhos Roberto, Rodolfo, Eduardo e Rosiane, funda a Stuckert Press, empresa de fotojornalismo.

Roberto Stuckert foi o fotógrafo oficial da Presidência da República no governo do general Figueiredo, trabalhou para jornais e revistas e realizou a cobertura de três copas do mundo.

A quarta geração da família Stuckert é representada por Ricardo Stuckert, brasiliense, fotógrafo desde os 19 anos de idade. Iniciou-se no jornalismo no jornal O Globo, passou pelas redações das revistas “Caras”, “Veja” e “IstoÉ”. Trabalhou na campanha presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva e, durante os dois mandatos do presidente Lula, foi o fotógrafo oficial da presidência da República.

A família Stuckert continua em destaque no prestigioso trabalho de fotografar a presidência da República. Agora, quem está nessa função é Roberto Stuckert Filho, fotógrafo da presidenta Dilma Rousseff.    

 
(*) Historiador

 

 

sábado, 23 de novembro de 2013

 
 
 
 
 
 

A disputa política permite toda sorte de retórica. Populistas, insensíveis, reacionários, porra-loucas, o vocabulário é abrangente, da linguagem culta à chula.
Em todos esses anos acompanhando e participando de polêmicas, jamais vi definição mais sintética e arrasadora do que a do jurista Celso Antônio Bandeira de Mello sobre Joaquim Barbosa: “É uma pessoa má”.
Não se trata se julgamento moral ou político. Tem a ver com distúrbios psicológicos que acometem algumas pessoas, matando qualquer sentimento de compaixão ou humanidade ou de identificação com o próximo. É o estado de espírito que mais aproxima o homem dos animais.
O julgamento da bondade ou maldade não se dá no campo ideológico. Celso Antônio Bandeira de Mello é uma pessoa generosa, assim como Cláudio Lembo, cada qual com sua linha de pensamento. Conheci radicais de lado a lado que, no plano pessoal, são pessoas extremamente doces. Roberto Campos era um doce de pessoa, assim como Celso Furtado.
A maldade também não é característica moral. O advogado Saulo Ramos, o homem que me processou enquanto Ministro de Sarney, que conseguiu meu pescoço na Folha em 1987, que participou das maiores estripulias que já testemunhei de um advogado, nos anos 70 bancou o financiamento habitacional de um juiz cassado pelos militares. E fez aprovar uma lei equiparando direitos de filhos adotados com biológicos, em homenagem ao seu filho.
A maldade é um aleijão tão virulento, que existe pudor em expô-la às claras. Muitas vezes pessoas são levadas a atos de maldade, mas tratam de esconde-los atrás de subterfúgios variados, com o mesmo pudor que acomete o pai de família que sai à caça depois do expediente; ou os que buscam prazeres proibidos.
Joaquim Barbosa é um caso de maldade explícita. Longe de mim me aventurar a ensaios psicológicos sobre o que leva uma pessoa a esse estado de absoluta falta de compaixão. Mas a natureza da sua maldade é a mesma do agente penitenciário que se compraz em torturar prisioneiros; ou dos militares que participavam de sessões de tortura -- para me limitar aos operadores do poder de Estado. Apenas as circunstâncias diferem.
A natureza o dotou de uma garra e inteligência privilegiadas. Por mérito próprio, teve acesso ao que de mais elevado o pensamento jurídico internacional produziu, a ciência das leis, da cidadania, da consagração dos direitos.
Nada foi capaz de civilizar a brutalidade abrigada em seu peito, o prazer sádico de infligir o dano a terceiros, o sadismo de deixar incompleta uma ordem de prisão para saborear as consequências dos seus erros sobre um prisioneiro correndo risco de morte.
Involuntariamente, Genoíno deu a derradeira contribuição aos hábitos políticos nacionais: revelou, em toda sua extensão, a face tenebrosa da maldade.
Espera-se que nenhum político seja louco a ponto de abrir espaço para este senhor.
 

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Elza, parabéns.









Elza Rocha de Miranda, cabeleireira, alagoana, viúva do advogado, jornalista e dirigente comunista Jayme Amorim de Miranda, desparecido político em 1975, na cidade do Rio de Janeiro, onde foi sequestrado e assassinado.

Elza e Jayme constituíram uma família com quatros filhos: Olga Tatiana, Yuri Patrice, Jayme e André Miranda.

Esta mulher é uma entre tantas mulheres brasileiras, mãe, trabalhadora, que atravessou a dureza e as incertezas de ser obrigada a viver na clandestinidade, criar uma família em completa adversidade material, emocional e política.

Elza, desde fevereiro de 1975, luta para saber o paradeiro do seu companheiro e pais dos seus filhos.

Desejo a você Elza Rocha de Miranda saúde e paz e muitos mais anos de vida.
Feliz aniversário,parabéns. 

 

 

 
 
 
 

Comissão Estadual da Verdade Jayme Miranda


 
Fernando Costa e o padre Manoel Henrique
 
(*) Geraldo de Majella

 

A Comissão Estadual da Verdade Jayme Miranda, coordenada pelo Padre Manoel Henrique Santana, realizou a primeira sessão de depoimentos de vítimas e familiares da ditadura militar brasileira. Aconteceu no auditório do Museu da Imagem e do Som (MISA), no bairro de Jaraguá. Dois depoentes convidados compareceram: a advogada Ezir Colaço, irmã do ex-preso político e dirigente do antigo Partido Comunista Brasileiro (PCB), Rubens Colaço Rodrigues, e o funcionário público e advogado Fernando José Barros Costa, ex-preso político e militante do Partido Comunista Revolucionário (PCR).

O padre Manoel Henrique Santana, coordenador-geral da Comissão Estadual da Verdade (CEV), dirigiu os trabalhos. Estiveram presentes e contribuíram com perguntas os seguintes membros da CEV: a professora Alba Correia, a economista Marivone Loureiro e os advogados Everaldo Patriota e Delson Lyra.

 Fernando Costa foi preso em 1973 na praça da Faculdade de Medicina em Maceió. Era, à época, estudante de medicina da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), e sofreu tortura por dias seguidos. Foram-lhe aplicados choques elétricos, espancamentos, sendo por diversas vezes colocado no pau de arara.

 A prisão foi realizada por uma guarnição do 20º Batalhão de Caçadores (20-BC), comandada pelo sargento e torturador Canaã.  Inicialmente foram presos Fernando e seu irmão Jeferson Costa. Em seguida, os militares do 20º BC estiveram na sua residência, no bairro do Prado em Maceió, e prenderam o pai, a mãe, um outro irmão e um primo.

Os estudantes Fernando e Jeferson Costa foram torturados, segundo afirmou Fernando Costa, nos antigos galpões da Petrobras, localizados no Tabuleiro do Martins. Nesse ano (1973), ocorreram outras prisões: os irmãos Breno e Denis Agra, Norton Sarmento, Paulo Newton de Azevedo, Miriam Soares Ferro, Vera Costa, Denisson Menezes, os médicos Luiz Nogueira Barros e Hélia Mendes, entre outros.

Estiveram presos na carceragem da Polícia Federal, Dops e no Quartel do 20º BC. Foram condenados à pena de seis meses de prisão, cumprindo-a no antigo presídio São Leonardo, em Maceió.

 

(*) Historiador