O que restou do coqueiral depois da urbanização em 1980
Geraldo de Majella
[...] Como o mar de Jatiúca
Vive trágico, vive aflito
Perguntando se os coqueiros
E as jangadas vão restar
Pra passear no mar [...]
(Música de Beto Leão)
A urbanização de Jatiúca, iniciada na década de setenta, mudou o bairro definitivamente: foram abertas avenidas, ruas; conjuntos habitacionais construídos e inaugurados. O saneamento básico na área central do bairro foi implantado. Os sinais de modernização chegaram com a urbanização dessa região que vivia apartada do resto da cidade.
Em pouco tempo ocorreram mudanças tão significativas, que alteraram toda a paisagem e a vida do então bucólico bairro de pescadores.
A beleza natural estava escondida da maioria dos habitantes da cidade, mas com a urbanização houve a descoberta do belo − poucos tinham o privilégio de desfrutá-lo. O coqueiral, o mar e a Lagoa da Anta, ao serem apresentados ao grande público, pareciam um objeto exposto à venda na vitrine da loja.
Os pobres, que se banhavam nas águas mornas da Lagoa da Anta, sobreviviam − muitos deles − retirando o sustento da família do mar, do lindo mar de Jatiúca. Passaram a observar o desempenho das máquinas aterrando os manguezais, derrubando os coqueirais, alterando a paisagem do lugar.
O acesso à praia foi aberto pelas avenidas Álvaro Otacílio, João Davino e pelas outras que passaram a fazer a ligação entre o bairro e a praia: Amélia Rosa, almirante Álvaro Calheiros, Jatiúca e deputado José Lages. Foi dessa maneira que definitivamente Jatiúca entrou no mapa da cidade.
A longa barreira formada por coqueiros gigantes foi destruída. As novas gerações não têm a ideia de quanto era bonito o coqueiral que vigiava a orla de Jatiúca. Mas, infelizmente, as denominadas urbanização e reurbanizações foram engolindo os coqueiros e a faixa de área marinha. A prefeitura vem se dedicando sistematicamente a derrubar os coqueiros, a impermeabilizar o solo e usar cada vez mais o asfalto, desnecessariamente.
O sociólogo pernambucano Gilberto Freyre disse que o alagoano é um povo anfíbio. No entanto, isto não sensibilizou o governador e o prefeito quando entregaram a Lagoa da Anta aos proprietários das Casas Pernambucanas, à família Lundgreen, que aterrou a lagoa e sobre as suas águas ergueu o imponente Hotel Alteza Jatiúca. O primeiro cinco estrelas de Alagoas nasceu engolindo as águas mornas e límpidas da Lagoa da Anta.
A outra margem foi entregue ao ex-governador de Sergipe, para construir um conjunto habitacional, o Parque Jatiúca. Hoje a região é um bairro consolidado. A ironia é que um dos hotéis recentemente construídos chama-se Ritz Lagoa da Anta.
O crime perpetrado deixou, como todos os crimes, suas marcas. Restou da Lagoa da Anta apenas um espelho d’água poluída e represada que, “generosamente”, o Hotel Jatiuca protege. Os turistas tiram fotos e se admiram da beleza do local.
Em dias de maré alta a praia amanhece com os surfistas se equilibrando em pranchas que deslizam sobre o dorso das ondas que crescem e vão quebrar no Mata Garrote, nome primitivo dessa área da praia de Jatiúca que foi substituído pelo “carioca” Posto 7.
Na antiga Lagoa da Anta, os casais de namorados às tardes e noites andavam desviando-se dos coqueiros e estacionavam à sombra ou sob a luz da lua. Abriam as portas do carro para a brisa fresca do mar entrar. O som que se ouvia eram as ondas quebrando na areia.
Os coqueiros foram derrubados e em seu lugar foram erguidos edifícios que passaram a ser vistos como a paisagem do bairro. É um novo bairro, aquele bucólico sumiu, restando apenas o mar, o lindo mar de Jatiúca.
Andar a cavalo à beira-mar, pescar, jogar futebol, acampar, subir nos coqueiros são coisas de um passado cada vez mais distante.
A orla está decorada com alguns poucos coqueiros, sobra daqueles coniventes das tardes e noites de amor livre. É possível, sem muito esforço físico, contá-los.
A beleza tem sido punida em Maceió. É uma tara nefanda. Não duvidem se um dia qualquer for publicado no Diário Oficial decreto municipal com os seguintes termos: “Fica terminantemente proibido olhar a beleza do mar em Jatiúca”.
Eu não conheci a praia de Jatiúca natural, mas devia ser tão bonita quanto este seu texto.
ResponderExcluirJanaina, era muito bonita. O coqueiral era enorme e a vida tranquila.
ResponderExcluirQuanto ao texto só posso agradeçer o apoio moral.
Geraldo de Majella
Majela,morei lá no conjunto Castelo Branco no início da década de sententa. Jatiúca era tudo isso que você relatou.
ResponderExcluirSeu blog está ótimo.
Um abração com gotas de poesia.
Belo texto e, acima de tudo, belas fotos! que pena que essa Maceió não existe mais.
ResponderExcluirAcho tudo lindo na minha terra. Era lindo antes, e de tanto, mesmo com a destruição ainda se tem. O que me entristesse é o descaso do lixo, dos esgotos e da pobreza das almas de quem destrói. É bom que existam lembranças como as suas pra gente não achar que Deus fez o mundo assim. Parabéns pelo blog e pelos textos bons de ler.
ResponderExcluirParabéns pelo Blog e pelo texto Majella! é lamentável pensar em tanta devastação impune, como aconteceu, também, na orla lagunar e na praia da Avenida. É preciso estar atento a como está se desenvolvendo o crescimento da cidade nas margens do seu litoral norte.
ResponderExcluirUm grande abraço.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirParabéns pela crônica,Majella! Você descreveu o que o progresso fez com a Jatiuca,matando sua beleza para mostrar o bairro ao mundo. Parafraseando Rubem Braga,digo eu: Ai de ti,Jatiuca.Ai de Barra de São Miguel, chegará o dia em que não saberás o que é um coqueiro nem o soprar da sua brisa leve,em que não saberás o que é um siri ou um peixe,chegará o dia em que não haverá pescadores,jangadas nem canoas,haverá o triste dia em que as pessoas desconhecerão que no passado havia a leve beleza das redes jogadas ao mar.Haverá o dia em não haverá mar. Haverá o dia em não haverá vida. Nem beleza.
ResponderExcluirQue beleza de texto sobre a nossa Jatiúca. Sempre tomo banho nela quando a maré tá baixa.Um forte abraço.
ResponderExcluirVim conhecer Maceió em junho de 1978 quando fui trabalhar em Pindorama.Sentei em um banco na Pajuçara e fiquei deslumbrado com a cor do mar.Nunca havia visto nada igual...em seguida, em uma Variant, passei pela Ponta Verde e Jatiúca e tive a oportunidade de ver estes coqueirais.Longa vida a seu blog...esta orla de Maceió é indescritível!
ResponderExcluirParabéns pela crônica,Majella! Você descreveu o que o progresso fez com a Jatiuca,matando sua beleza para mostrar o bairro ao mundo. Parafraseando Rubem Braga,digo eu: Ai de ti,Jatiuca.Ai de ti Barra de São Miguel, chegará o dia em que não saberás o que é um coqueiro nem o soprar da sua brisa leve,em que não saberás o que é um siri ou um peixe,chegará o dia em que não haverá pescadores,jangadas nem canoas,haverá o triste dia em que as pessoas desconhecerão que no passado havia a leve beleza das redes jogadas ao mar.Haverá o dia em não haverá mar. Haverá o dia em não haverá vida. Nem beleza.
ResponderExcluirCidinha Madeiro