(*) Geraldo de Majella
O
golpe civil-militar de 1º de abril de 1964 atingiu a todos − parlamentares,
juízes, ministros, religiosos, advogados,
operários, trabalhadores rurais, portuários. Em Alagoas a antiga Cadeia Pública
“hospedou” centenas de patriotas, homens e mulheres. As prisões, as cassações
de mandatos parlamentares, a suspensão dos direitos políticos e as torturas
tiveram início nas primeiras horas daquele dia e se seguiram por 21 anos (1964-1985).
O
semanário A Voz do Povo, fundado no
dia 1º de maio de 1946, nas primeiras horas da manhã do dia 1º de abril de 1964
foi saqueado e destruído pelos delegados Rubens Quintela e Albérico Barros,
entre outros policiais.
A
ordem foi dada pelo governador Luiz Cavalcante, chefe do golpe civil-militar em
Alagoas. Os jornalistas, gráficos e diretores foram presos na Cadeia Pública de
Maceió. Ao tomar conhecimento do saque e das prisões, colaboradores do
semanário procuraram se esconder e foram viver na clandestinidade. É o caso de
Silvio da Rocha Lira, secretário de organização do PCB e diretor do semanário comunista.
O
diretor-responsável, jornalista Jayme Amorim de Miranda, foi preso ainda pela
manhã, sendo conduzido à Cadeia Pública de Maceió. A polícia continuou a busca
dos membros da redação, da administração e colaboradores. A Polinter prendeu
Valter Amorim Pedrosa, Dirceu Accioly Lindoso, José Alípio Vieira Pinto, Dalmo
Lins, jornalistas e colaboradores do jornal, e a proprietária do imóvel onde
funcionava o semanário, Maria Augusta de Miranda (Marinete, como era conhecida)
e seu irmão, o comerciante Péricles de Araujo Neves, ambos dirigentes
históricos do PCB.
O vereador por Maceió, Nilson Miranda, editor
de A Voz do Povo, vinha sendo
perseguido e hostilizado pela sua atuação parlamentar. Desde o dia 30 de março
não aparecia em público, passando no dia 1º de abril a viver na
clandestinidade.
O
ex-operário têxtil Sílvio da Rocha Lira, secretario de organização do PCB em
Alagoas e administrador do semanário, passou a ser procurado pela polícia.
Escapou da prisão escondendo-se no Tabuleiro do Martins. Entrou também na
clandestinidade, inicialmente em Maceió; sentindo-se inseguro, sai de Alagoas,
indo atuar no PCB em Pernambuco, e posteriormente em São Paulo, na organização
do partido.
O
historiador Moacir Medeiros de Sant’Ana, dotado do arguto senso de pesquisador,
salvou as poucas, porém significativas coleções de A Voz do Povo. Esse gesto inegavelmente contribuiu para que nesse
momento estivéssemos tratando da existência de pouco mais de uma centena de
jornais. Não devemos associar o gesto do historiador ao salvar a coleção a
qualquer simpatia com o ideário do PCB e do seu porta-voz, A Voz do Povo.
Precárias eram as condições em que esteve
acondicionada a coleção de A Voz do Povo, na hemeroteca do Arquivo
Público de Alagoas, dirigido por mais de quarenta anos por Moacir Medeiros de
Sant’Ana. A atitude pouco convencional para se preservar documentos de valor
histórico nem sempre ocorreu pelas vias normais. Felizmente, assim aconteceu
com o semanário dos comunistas de Alagoas, como declarou o historiador:
“(...) o general Bittencourt esteve
aqui em Alagoas como secretário de Segurança e me convidou para que eu fosse
até a Secretaria. Me lembro bem: diante dele, estava o José Fernandes Maya
Pedrosa, que é coronel do Exército. O general perguntou ao coronel:
– Você conhece o Dr. Moacir?
− Conheço, ele é oficial da Reserva.
− Oh, oficial da Reserva? Ah, então vai ficar
aqui comigo, na minha equipe.
E foi ai que fiquei como assessor do general
Bittencourt naquele período do Luiz Cavalcante. (...) Foi depois de abril de
64. Demorei muito tempo trabalhando com o general Bittencourt. Então, resolvi
carregar (a coleção de A Voz do Povo). Não pedi, não. E se eu pedisse,
eles não dariam e terminariam dando fim. Aí, tranquilamente, ‘amaciei’ o
Rivoredo e, realmente, a tirei de lá e levei-a para casa. Morava bem pertinho.
Aliás, mandavam me levar em casa de carro”[1].
O
mais antigo jornal popular de Alagoas, A
Voz do Povo, foi destruído pelos golpistas depois de sobreviver durante
dezoito anos − de 1946 a 1964 − a inúmeros empastelamentos e invasões policiais
nos governos de Silvestre Péricles de Góis Monteiro e Arnon de Mello. O
semanário foi fechado e nunca mais voltou a ser publicado, a não ser em algumas
poucas edições comemorativas na década de 1980.
(*) Historiador
[1] Depoimento prestado ao autor pelo historiador Moacir
Medeiros de Sant’Ana, em 19 de agosto de 2005.
Muito bem! São histórias que não se contam na escola. Ou, pelo menos, nada se falava na época que fiz o primário, visto que foi em plena ditadura no final dos anos 70 e começo dos 80. Não conhecia seu blogue. Parabéns!
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