quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

As Origens do Policiamento Comunitário


(*) Geraldo de Majella
 

         Arthur Woods, comissário de polícia, trabalhou em Nova Iorque de 1914 a 1919. É possível que tenha sido o primeiro norte-americano a pensar na aproximação da polícia com a comunidade. Embrião do que atualmente se conhece em diversos países do mundo como Policiamento Comunitário. 

Esta ideia surgiu no ambiente de polícia, foi acompanhada de intensos e acalorados debates e logo se tornou tema de estudos e conferências na Universidade de Yale.

         O principal objetivo de Arthur Woods não era tão somente “incutir nas camadas rasas do policiamento uma percepção da importância social, da dignidade e do valor público do trabalho do policial” (Skolnick e Bayley: 2002:57). Buscava também tentar modificar a visão da polícia sobre a comunidade enquanto ator coletivo e social e em relação ao indivíduo, numa época em que os direitos civis, consagrados posteriormente, não eram tratados com o necessário respeito.  

Woods foi um tipo que não pode ser classificado como um teórico descolado da realidade. A polícia por ele dirigida era uma instituição racista, violenta e com desvios éticos e morais consideráveis, inclusive com altos níveis de corrupção.

Os problemas mais visíveis da sociedade americana foram superados. A segregação racista foi o principal deles. Nem por isso se podem fechar os olhos ao rastro de violência e corrupção que perdurou por muitos anos. O racismo como se manifestava nos EUA, pelo menos a sua face mais cruel e pública, foi sendo desconstruído a partir das manifestações públicas e pacifistas pelos direitos civis, dirigidas pelo líder negro Martin Luther King e por tantos outros.

Os milhões de negros foram vitoriosos, mas para tanto ocorreram batalhas com custos exorbitantes, inclusive com o sacrifício de inúmeras vidas de cidadãos norte-americanos e do próprio Martin Luther King, assassinado em Memphis em 1968.   

As ideias formuladas e difundidas a partir da segunda década do século 20 ganharam capilaridade no quase impermeável ambiente policial norte-americano. Tanto nos EUA como em outros países, a Polícia Comunitária é sinônimo de modernidade e de novas práticas policiais. Outros conceitos de atuação policial foram experimentados, e a relação direta da polícia com a comunidade gestou um novo ambiente de boa convivência e, sobretudo, de confiança mútua.

O tema tem sido cada vez mais discutido em academias de polícias, universidades e entre pesquisadores de segurança pública. A aproximação traz como resultado a valorização do papel da polícia e do policial enquanto cidadão e profissional de segurança pública. Esse é o ganho essencial para a sociedade em todas as suas dimensões. Aos poucos, impõem-se esses valores historicamente desprezados, embora o que se verbalize no interior do ambiente policial é o estado de beligerância e confronto iminente com um suposto inimigo interno, identificado como o cidadão nacional.

Os tipos de policiamentos comunitários são desde suas origens atividades restritas e especializadas. Muda de acordo com as situações de cada país e até mesmo de estados, cidades e regiões. O crescimento de áreas onde a atuação do policiamento comunitário tem trabalhado com a prevenção aos crimes transformou-se numa referência para a sociedade e para as polícias.

Isso não significa que a implantação do policiamento comunitário ocorra sem resistência. Há muita resistência interna, na corporação e entre os governos. A aceitação desse trabalho policial pela população acontece quando o policiamento comunitário cuida especificamente das suas atribuições, ocorrendo a separação desse trabalho de outras operações e ações em curso.

Woods não vivia isolado numa torre de marfim, porém “tinha um conhecimento profundo dos obstáculos consideráveis a uma reforma, inclusive da corrupção policial na cidade de  Nova Iorque. Desconfiava tanto do Serviço Civil como dos políticos, os quais, acreditava, iriam usar inescrupulosamente a polícia e o departamento policial para alcançar seus fins políticos particulares” (Skolnick e Bayley: 2002:57). 

O policiamento comunitário tem sido implantado nos EUA, Canadá, Suécia, Noruega, Dinamarca, Japão, Austrália, países desenvolvidos e em países em desenvolvimento como o Brasil. É possível voltar o olhar para as experiências do estado do Rio de Janeiro e Pernambuco, por exemplo.

A polícia comunitária não significa a resolução dos graves problemas da segurança pública, da criminalidade como fenômeno social e até mesmo da ordem pública. O policiamento comunitário é o elo essencial da Polícia com a comunidade. Desse modo, o diálogo estará aberto e os inúmeros conflitos sociais tendem, na maioria dos casos, a ser resolvidos entre os litigantes na própria comunidade.

 

Fonte:

Policiamento Comunitário. Skolnick, Jerome H. & Bayley, David H., São Paulo, Ford Foundation, Nev – Núcleo de Estudos da Violência – USP, Edusp, 2002, p. 57.

 (*) Historiador.