domingo, 25 de agosto de 2013

Você atrai doidos


(*) Geraldo de Majella

 

         Andar com doidos, ando desde muito cedo, quando ainda era criança. Minha mãe me acusava de atrair doidos.

− Você só procura doidos. Deixe de andar com essas companhias, menino!

Reporto-me à a pré-adolescência, fase da vida em que não existe censura prévia, nem, de modo algum, andar, brincar e conversar com doidos é normal. Pelo menos para mim era perfeitamente normal.

         As ordens, determinações de testa franzida e tom grave de minha mãe, confesso, me intimidavam, mas não me afastavam dos doidos. O diferente me atrai, ainda hoje. Transporta-me para um outro mundo, não o deles, certamente, mas também não era o de minha mãe. Aparentemente lúcido e racional.

“Casa de ferreiro, espeto de pau”, diz o adágio popular. Nascido numa casa de classe média baixa do interior de Alagoas, num tempo em que a mão de obra era farta, não tive babá.

As funções de babá foram exercidas pelo meu tio Jonas. O tio querido me ninava e me fazia dormir, nos embalos de rede, todas as noites. Jonas era doido, diagnosticado. Ou como se define hoje: pessoa com deficiência mental.

A vida me conduz, me aproxima dos doidos, conhecidos, amigos ou desconhecidos. Isabela, minha filha, assim como minha mãe, também diz que atraio doidos. E que só tenho amigos doidos.

Sento-me num banco na orla de Maceió e escuto um inusitado diálogo de um homem consigo mesmo. Perguntas, respostas, diálogos entrecortados e resmungos. Olhei normalmente, permaneci discreto para não causar estranheza ou mesmo chamar a atenção do falante.

Mas não demorou, fui chamado para a inusitada conversa.

− O moço mora em Maceió? – fez-me a pergunta educada e serenamente.

− Sim, moro na vizinhança − respondi lacônico.

− Veja só como são as coisas. Minha esposa não me deixa andar pela cidade.

− Ah, é? E você lhe obedece? – perguntei, dando início ao diálogo.

− Que nada. Ando a cidade inteira. Tenho posses e não ligo pra nada, quero caminhar anotando tudo que vejo pela frente.

− Certo.

Entrei na dele e já me tornei amigo de infância. Em tom mais baixo e como se segredasse algo, lhe disse:

− Amigo, dinheiro foi feito para se gastar. Não dê atenção para o que a sua mulher fala, não. Continue andando e gastando. Quando a gente morre não leva nada.

− É o que faço. Você pensa que eu ligo? Ela fala e eu ando, nem escuto. Sou assim desde criança.

Sem perder o embalo do papo, reforcei os seus argumentos:

− Faça o que achar certo. Mas tenha cuidado ao andar em ruas escuras, você com dinheiro no bolso pode ser assaltado.

− Não tenho medo de nada, enfrento qualquer parada − falou em voz grave, destemido.

− Amigo, me desculpe, estou indo. Tenho um compromisso com a família. Mas quero, antes de me despedir, dizer que você esta certo. Até logo.

Despedi-me do novo amigo e saí intimamente às gargalhadas, lembrando da Nau [minha mãe] e da Isabela. Andei com o vento batendo em minhas costas, convicto de que atraio realmente doidos. São doidos de todos os tipos e jeitos, quadrantes e meridianos.

O significado de normalidade e anormalidade para mim é variável e depende do contexto histórico e das situações em que me encontro. O ato de sentar com um louco e dialogar é para mim natural.

 Pois, para quem trabalha e trata cotidianamente com pessoas de humor instável, não posso fazer alusão à loucura num sentido figurado.

Não são raros os dias da semana em que desejaria passar horas conversando e “viajando” com loucos propriamente ditos e diagnosticados. Isso me faria bem e equilibraria a minha saúde mental.

 

(*) Historiador

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