Geraldo de Majella
A humanidade como num passe de mágica se tornou devassável. As fofoqueiras que habitaram em tantos e tão distantes lugares hoje são figuras quase bizarras, perderam a razão de ser. O mundo virtual tem os olhos e os ouvidos conectados na rede mundial de computadores, a internet. Todos estamos expostos.
A humanidade como num passe de mágica se tornou devassável. As fofoqueiras que habitaram em tantos e tão distantes lugares hoje são figuras quase bizarras, perderam a razão de ser. O mundo virtual tem os olhos e os ouvidos conectados na rede mundial de computadores, a internet. Todos estamos expostos.
Quem não estiver conectado numa dessas redes sociais não é parte integrante desse universo fantástico chamado de humanidade.
Diana é economista, trabalha duro como consultora de empresas, era a última pessoa no trabalho e entre os amigos que não havia se familiarizado com as salas de bate-papo, os sites de relacionamentos, o orkut, o twitter e o facebook, as tais redes sociais.
As explicações usadas por ela sempre foram taxativas: “não tenho interesse em me relacionar com ninguém virtualmente”. De tanto ser cobrada pelos amigos e pelo chefe imediato, tinha sempre e invariavelmente a mesma resposta, um mantra: “não tenho interesse em me relacionar com ninguém virtualmente”. Resposta pronta para qualquer ocasião e pessoa. E ponto final. Dizia sem alterar a voz.
O dia a dia estressante fez com que as férias fossem antecipadas. Promoções de passagens aéreas e facilidades no pagamento, resultado óbvio da estabilização da economia, conduziram a dedicada profissional às praias de Alagoas.
Esse destino turístico não foi escolhido aleatoriamente nem foi indicação de agentes de viagens. Em Maceió, reside há muito tempo Ambrósio, o primo com quem Diana, desde a infância, se relaciona. Nunca brigaram, e mesmo vivendo afastados mantêm permanente contato, pois ela é madrinha de um dos seus filhos, Carmela.
A oportunidade apareceu, era baixa estação, preços acessíveis das passagens e ainda tinha hospedagem garantida na casa do primo querido. Esse conjunto de fatores foi determinante; restou tão somente arrumar a mala, colocar as roupas de banho e aterrissar em Jatiúca, bairro moderno que dá nome à praia. O metro quadrado mais bonito do litoral alagoano.
Todos esses atrativos e mais a companhia querida da família fizeram logo no primeiro dia com que ela esquecesse a pesada agenda de compromissos, o relógio, o celular, instrumento de escravização moderna, e pasmem: o notebook, máquina inseparável. A rotina dura de trabalho foi rapidamente substituída por copos de cervejas e petiscos. Exposição ao sol brilhante, compras rápidas de um novo guarda-roupa de praia. A consultoria de moda-praia foi feita pela “prima”, Ângela. Short colorido, coladinho na pele, camisetas decotadas, adereços para os cabelos foram algumas das compras feitas na primeira noite.
Passados alguns dias a conviver com os primos, um mundo novo começou a se descortinar para Diana: a companhia virtual através da internet. As salas de bate-papo. A capacidade de convencimento de Ângela, a mulher do primo, foi inegável. E somado aos argumentos da “prima”, o tempo livre, o lazer.
A fala mansa, meiga, mais que isso, a companhia da “prima”, observada sem a pressão ou obrigação de aderir às redes sociais, e o ambiente confortável do escritório do casal foram um grande estímulo.
Ângela entrou como de hábito numa sala de bate-papo, mas antes pediu a Diana que presenciasse o contato que ela iniciara. Tudo era estranho e certamente por isso rejeitado, criticado, principalmente para quem tem de aproveitar todos os minutos do escasso tempo de que dispõe para dedicar ao trabalho.
Diana nunca se imaginou horas a fio teclando com desconhecidos, um ato que beirava a insanidade − impensável. Mas nada como ficar de frente para o mar azul de Jatiúca e tomar cerveja sem compromissos, descobrir-se sem a obrigatoriedade de horários, escravizada pela agenda infernal. Observar a “prima” teclando na net seria um lazer, apenas. Nada mais que isso.
A cabeça de Diana estava na praia, na beleza do mar de Maceió. Ficar boa parte do dia com os pés na areia alva de Jatiúca, copos de cervejas e peixinhos assados eram um sonho que se realizava.
Juca é topógrafo, trabalha como autônomo, mas durante o verão desenvolve atividades paralelas: tem uma barraca na praia, onde serve sucos, caipiroscas de vodka com abacaxi, caqui, mangaba, pitanga e outras frutas da época. Mas quem toca o empreendimento é Amarílio, seu funcionário. Juca está permanentemente bronzeado. É desenrolado, bem-falante e tem a fama de ser um discreto conquistador, um pegador de praia.
Diana tem ficado de papo com Juca. Os dois andaram tomando banho de mar ao amanhecer sem que houvesse nenhuma combinação; logo às primeiras horas da manhã, entram no mar azul de Jatiúca e mergulham. Têm rolado uns beijos aquáticos. Até parecem dois golfinhos. Os olhares trocados vão criando um clima entre os dois. Acontece que ao tomar caipiroscas, Diana fica desinibida, num clima mais amistoso e fez um convite para saírem à noite. Era a despedida das férias.
Surpreendido com o convite, Juca diz que pode ir, mas que não é possível virar a noite, pois acorda cedinho, para montar o negócio à beira-mar. Trato feito. Foram para a noitada. Não jantaram, caminharam pela orla, sentaram numa das barracas com música ao vivo, tomaram cerveja, comeram petiscos, e Diana, desinibida, lhe pediu um beijo.
O casal ainda com roupa de praia, ela com biquíni e Juca de bermuda e chinelo de dedo, protagonizaram uma sessão cinematográfica. A noite passou e o casal nem se deu conta. Diana conduziu-o até a areia, onde se amaram e só se deixaram com o dia amanhecendo e o sol brilhando no céu de Jatiúca.
A despedida das férias foi tão espetacular que os primos não conseguiram dormir, imaginando que alguma coisa houvesse acontecido de errado. Nada de anormal ocorreu. Para Diana, foi uma das noites mais felizes que passara nos últimos anos. Ao chegar à casa dos primos pediu desculpas por ter “sumido”, e como a bagagem já estava arrumada, teve apenas o tempo necessário para tomar um banho rápido, vestir a calça jeans e uma camisa branca, calçar o tênis e se despedir. Agradeceu a acolhida e seguiu direto para o aeroporto, no carro do novo amor.
De volta ao trabalho, refeita do estresse, Diana passou a recorrer à internet, comunicando-se diariamente com o namorado alagoano, pela webcam. Desinibidamente vem realizando strip-tease para o namorado: coloca um fundo musical e tira lentamente as vestes. A timidez foi rapidamente superada, e o casal, mesmo distante, mantém uma desenvoltura como se já se conhecesse há muito tempo.
As opiniões sobre as redes sociais não mudaram. Os amigos de trabalho continuam insistindo para que Diana entre numa das redes sociais, pelo menos no facebook. Sem que ninguém saiba, no ambiente privado encontrou novas emoções durante as férias. A rejeição à internet como meio de comunicação pessoal se mantém para o consumo público, tolerando-a apenas como ferramenta de trabalho. Mantém a mesma opinião de antes.
Diana é misteriosa quando se trata de navegar na internet. Secretamente, vem se apresentando todas as noites para o namorado alagoano.
Nenhum comentário:
Postar um comentário