Geraldo de Majella
A dedicação à família para Adroaldo está em primeiro plano. Nada é mais importante para ele que a mulher e as duas filhas. As suas curtições sempre foram as rodas de sambas, tomar cerveja com os amigos nos finais de semana na praia de Guaxuma, jogar futebol e praticar atletismo. Não pensa em juntar dinheiro, e muito menos formar um patrimônio material expressivo. Vive para o trabalho, para a família e para curtir a vida.
Casado com Lúcia há 25 anos, no entanto, a relação do casal nos últimos cinco anos não andava bem. Até o dia em que Lúcia decidiu levar a sério o que já vinha falando: “quero me separar”. Os motivos, os dois sabiam, pois não carecia de maiores delongas. A separação ocorreu de maneira consensual, sem traumas. As filhas, adultas, ficaram − por decisão delas − com a mãe. São estudantes universitárias: uma estuda engenharia e a outra, odontologia.
Adroaldo, após se consumar a separação, logo no primeiro dia foi caminhar na orla, como faz habitualmente. Nada mudou em sua rotina. O assunto da separação só foi tratado com alguns poucos amigos, os mais íntimos, mesmo assim com reserva, duas semanas depois.
A hora mais sentida para ambos foi a da partilha do patrimônio. O que lhe coube, aliás, o que Adroaldo escolheu foi: a biblioteca com três mil livros, muitos raros, cerca de cinco mil CDs de música clássica, MPB, regional, e trezentos discos de 78 RPM, um acervo invejável. Ainda lhe couberam mil e quinhentos DVDs.
O que mexeu com o emocional foi a hora em que foram retirados das paredes os quadros por ele pintados, alguns inacabados, e sobretudo as obras de artes herdadas de sua mãe, bem como alguns quadros comprados durante o casamento.
A caixa com os álbuns de fotografias antigas da família materna e paterna foi incorporada ao seu patrimônio. E, por último, o campo de futebol de botão lhe foi entregue pelas duas filhas com largos sorrisos, pois sabiam o quanto o pai adora futebol de botão e da sua devoção pelo time do Santos Futebol Clube, bicampeão mundial de futebol.
A poupança aberta para as filhas quando nasceram era fato conhecido da ex-mulher e até registrado num testamento feito depois que sobreviveu a um incrível acidente de automóvel no carnaval de 2000. Os cartões das poupanças com as respectivas senhas foram passados para as filhas na presença de Lúcia.
O caminhão-baú da empresa de mudanças estacionou na porta do que ele passou a considerar como ex-residência. Três trabalhadores iniciaram o carregamento dos pertences, e em poucas horas tudo foi acomodado e o caminhão deu partida. O desejo de viver em liberdade, tão ansiado por Adroaldo, se consumava. Ele balbuciou baixinho: “é a vida que segue, me sinto um homem livre”.
Agora solteiro, passou a ir a lugares na cidade que já não reconhecia e de que até mesmo havia perdido a intimidade. O retorno à boemia, amanhecer o dia nos bares, restaurantes e casas de samba, andar pelos salões, foram um novo mundo que se descortinou. E a possibilidade de azarar a mulherada, tomar um porre sem culpa, até parece que lhe devolveu o gosto de viver. Não se lembrava mais do último porre, por exemplo.
Acontece que a vida encaminha as pessoas nem sempre para lugares planejados; muitas vezes, o planejamento que é importante para as empresas, bancos, administração pública, quando se trata do amor não serve ou pelo menos não tem a mesma eficácia.
Passou a ser convidado para festas e aniversários − não que antes não o fosse, mas o clima era outro. Os seus olhos viam tudo diferente. Evidência disso é que no dia 10 de junho fora convidado por Marise, amiga de longa data, para ir ao seu aniversário.
À vontade, Adroaldo, toma uísque, conversa animadamente, mas é para uma moça – que ele ainda não sabe quem é – que as suas atenções se voltam. Os olhares se cruzam, risos contidos são dados um para o outro. Ao perceber que a garrafa de uísque estava distante e o braço da moça não a alcançava, como um bom cavalheiro se levantou e foi servi-la. Olhando nos seus olhos, perguntou o nome. A resposta: Helena.
A partir daí passaram a se falar, e num passe de mágica, ao sentir que tinha uma cadeira vazia junto dela, Adroaldo se aproximou, e seguiram conversando. Era o início desejado.
A festa alcançou a madrugada, que lentamente foi dando lugar à manhã ensolarada do verão em Maceió. O tempo foi passando, e muitos convidados se foram. Marise, percebendo a aproximação entre os amigos comuns, sem que ambos notassem, tornou o ambiente ainda mais aconchegante juntando as mesas. Tudo estava concorrendo para aproximá-los, pois juntos os dois se paqueravam mais e melhor. Os acordes extraídos do violão do Luisinho Sete Cordas se tornaram indispensáveis e mantinham o clima de boemia e ternura dos últimos resistentes da festa.
O sol raiou. Adroaldo e Helena se despediram e foram tomar o café da manhã no Bodega do Sertão. Sentaram-se a uma mesa do restaurante, comeram cuscuz, ovos com inhame, carne do sol, refestelaram-se nas cadeiras confortáveis e arremataram um prato de arroz-doce – para cortar o uísque. O cheiro do café quente fez com que bebessem xícaras de café com leite. Pagaram a conta, e Helena, olhando nos seus olhos, convidou-o para dormir em seu confortável apartamento.
O namoro teve início na primeira madrugada e no primeiro encontro. Daí em diante passaram a sair juntos, almoçam três vezes por semana num restaurante vegetariano, e os outros dias alternam entre as casas em que vivem.
Desde que Helena lhe propôs casamento não tem pensado em outra coisa que não o exato momento do casamento, definido por ela como secreto. Apenas os dois nubentes sabem; óbvio, ninguém mais será convidado, e menos ainda saberão de tal fato. Para os familiares e amigos eles são namorados.
A cidade vive o clima de Natal. As festas de final de ano são bem definidas: ceia de Natal é sagrada, na casa dos pais de Helena. Mas no réveillon cada um faz o seu programa. Em geral, os sobrinhos vão para a orla assistir ao espetáculo da queima de fogos; os irmãos organizam uma festa de passagem de ano na praia de Guaxuma. Para Adroaldo e Helena era o momento ideal: na presença de familiares eles casariam secretamente. Perfeito. Tudo foi pensado por eles; compraram champanhe, roupas brancas, inclusive as íntimas, vestido transparente, biquíni e flores.
Os fogos espocaram anunciando o ano, e o novo casal entrou com o pé direito nas águas mornas da praia de Guaxuma, com taças de champanhe, brindando efusivamente e se beijando demoradamente. Os familiares em volta comemoram também a chegada do ano novo. Os abraços apertados são dados, ouvem-se choros de emoção incontida de um dos sobrinhos, outro agradece a Deus pela graça de ter sido aprovado num concurso público.
De mãos dadas mergulham, como se fossem golfinhos; brincam, pulam, abraçam-se e beijam-se, comemorando o casamento secreto e aquático.
Possuo um quadro de sua autoria. Gostaria de saber se há interesse em comprá-lo de mim, pois estou necessitando de dinheiro. eliane.miranda27@hotmail.com
ResponderExcluirQue tipo de quadro vc fala?
ResponderExcluirGeraldo de Majella
Tem uma foto pequena antiga de um casal. O desenho de outro casal e o resto é abstrato.
ResponderExcluirAcho melhor se eu enviar a foto por e-mail, porém não tenho seu contato. Obrigada
majellamarques@uol.com.br
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