Senhor presidente,
Senhoras e senhores vereadores,
Minhas amigas, meus amigos:
“A história da gente alagoana é a
história de uma gente quase anfíbia”. Foi assim que, no distante ano de 1948, o
sociólogo pernambucano Gilberto Freyre definiu os alagoanos. Eu e quase todos os presentes no plenário da
Casa de Mário Guimarães fazemos parte dessa “gente quase anfíbia”.
A gente alagoana – para usar a
expressão de Gilberto Freyre − tem nas águas, ou na sua falta, o que há de mais
significativo em sua identidade.
Nasci em Anadia faz pouco tempo, no
janeiro de 1961, há 51 anos, na margem direita do rio São Miguel, e aos sete
anos aportei nesta belíssima cidade, em 1968, para morar com a família, fixando
residência no bairro do Vergel do Lago. Aí residimos pouco mais de um ano,
mudamo-nos e por um menor tempo ainda moramos no bairro do Prado. De 1970, até
hoje, fixamos residência em Jatiúca, e creio, só sairei de lá para ser
enterrado em Anadia.
A minha trajetória é “quase anfíbia”,
pois com as águas mantenho uma relação de perfeita harmonia e prazer; assim
venho vivendo e viverei até o último dia da minha existência. Criei-me entre as
águas do rio São Miguel, a lagoa Mundaú e o mar de Jatiúca. No rio São Miguel
aprendi a nadar e também contraí xistossomose, curada a tempo. Nas águas do mar
e da lagoa vivo sempre a me banhar.
A imensidão do mar que avistei pela
primeira vez da rua Dias Cabral, da porta da casa das primas Bebé e Eunice
Carneiro Moura − quase irmãs de minha mãe − foi o meu primeiro alumbramento.
Hoje tenho plena consciência desse fato. Socorro-me com o poeta Manuel
Bandeira, quando diz no poema Estrela da Vida Inteira:
“Um dia eu vi uma moça nuinha no banho
Fiquei parado o
coração batendo
Ela se riu
Foi o meu primeiro
alumbramento”.
A praia do Sobral tem esse significado
em minha vida. Foi o meu primeiro alumbramento de criança.
Senhor Presidente,
Senhoras e senhores vereadores:
Meus pais, minha irmã e eu, aos
domingos, durante muitos anos, passeávamos pelas ruas do centro de Maceió,
olhávamos e contemplávamos atentamente a beleza das vitrines das lojas. A nossa
família de classe média baixa, pai comerciante do interior e mãe professora
primária da rede estadual de ensino, não é necessário dizer que apenas
contemplávamos as belas vitrines e ao final do passeio parávamos para saborear
os gelados deliciosos da sorveteria Gut-Gut.
Pelos becos, ruas, avenidas e praças de
Maceió, conheci pessoas que muito me influenciaram na vida. Aqui na praça
Deodoro, onde está localizada a Câmara de Vereadores, eu, ainda muito jovem,
conheci poetas, estudantes, cantores, cantoras, artistas, atores de teatro e
jovens rebeldes que desafiavam como podiam a ditadura militar ou mesmo
transgrediam as normas de condutas sociais da época.
O Teatro Deodoro e o Tribunal de
Justiça, construções centenárias e belas, compõem o formidável conjunto
arquitetônico projetado pelo italiano Luigi Lucarini. A vetusta e imponente
Academia Alagoana de Letras, palco de manifestações artísticas e literárias, faz
parte do cenário do centro da cidade.
Recordo-me
de um fato um tanto prosaico acontecido em 1978. O líder metalúrgico Luiz Inácio
da Silva veio a Maceió e foi impedido de falar para os seus companheiros sindicalistas.
Era, na expressão contemporânea, “um sem-teto”, mas talvez por ironia do
destino a casa que abriu as portas e o salão nobre para Lula e para os
alagoanos que o acompanhavam foi a Academia Alagoana de Letras.
O centro da cidade sempre me fascinou.
Andei e continuo a andar pelas ruas centrais de Maceió como se ainda fosse
criança ou adolescente. É como se estivesse em busca do tempo perdido, procurando
as livrarias Ramalho, Castro Alves, José de Alencar, Segal, Livro 7 e Caetés. Não
as encontro mais. Todas fecharam suas portas. Os motivos foram diversos. Mas o
fato relevante nessa história é que ficamos mais pobres com o fim das
livrarias.
Senhor Presidente,
Senhoras e senhores vereadores:
A cidade mudou, as ruas ficaram
estreitas e pequenas para tantos carros, bicicletas e motocicletas, e até mesmo
carroça de burros. O casario vem sendo paulatinamente demolido, espigões são erguidos,
outros continuam de pé, mas em profunda decadência, aos pedaços. Estacionamentos
de automóveis proliferam onde antes eram casas residenciais ou comerciais. Esta
cidade a que me refiro, se não cuidarmos dela, em pouco tempo será apenas uma
miragem, fruto da nossa memória.
A fase mais significativa de minha vida
se passou em Maceió, onde estudei e obtive um diploma universitário. Mas a minha
formação como cidadão, os meus pequenos cursos foram todos obtidos nas ruas,
nas praças, na biblioteca estadual, nos bares, no teatro. Era onde melhor me
sentia e onde me realizava plenamente.
Maceió me foi apresentada pelos amigos
do bairro, pelos parentes, como um centro de lazer, cultura e convivência. Assim,
para quem tinha como universo a cidade de Anadia, ampliei bastante o meu
horizonte de vida e as minhas perspectivas.
O tempo foi passando, e eu conheci mais
pessoas e lugares na minha nova cidade. Maceió para mim era imensa e lúdica.
Pelas noites da cidade vim a conhecer poetas e boêmios; intelectuais e
trabalhadores; loucos e malandros; religiosos de várias ordenações; políticos,
jornalistas e revolucionários.
Se eu um dia fosse perguntado o que
faria por Maceió, decerto responderia desejar que as praças da minha nova
cidade voltassem a ser agradáveis, os jardins e passeios bem cuidados e
floridos, como foram no passado recente.
Quanta gente inteligente e bem
intencionada conheci na praça Deodoro e na sorveteria Gut-Gut, entre o bar
Gracy e a macarronada Eureka, entre o mercado público e a padaria Nossa Senhora
das Graças e entre o Palácio do Trabalhador e o bar do Maurício. Esse é um dos
meus roteiros sentimentais.
E
para minha surpresa e alegria, entre 1983 e 1988, vim trabalhar aqui na Câmara
Municipal de Maceió. De início, com a jovem e bonita vereadora Kátia Born; em
seguida, com o irrequieto jornalista João Vicente Freitas Neto, um autêntico vereador
de Bebedouro e da cidade, tragicamente morto com a esposa, Gracinha, e dezenas
de outros passageiros, num desastre aéreo no mar do Caribe em 1997.
Os vereadores do PCB, partido em que
militei por vinte anos, são por mim sempre lembrados: o sapateiro Renalvo
Siqueira, tantas vezes preso e barbaramente espancado, os jornalistas Nilson
Amorim de Miranda e Freitas Neto.
Recordo ainda de outros representantes
do povo e da cidade com quem convivi diariamente: Jarede Viana, Edberto
Ticianelli, Guilherme Falcão, Francisco Holanda, Fernando Costa, Camucé Falcão,
Galba Novaes, Hermínio Cardoso, Braúlio e Tito Cavalcante, Freitas Neto, e
Kátia Born, que anos depois foi eleita prefeita de Maceió em duas oportunidades;
entre outros nomes.
Senhor Presidente,
Senhoras e senhores vereadores:
O Poder Legislativo é, entre os poderes,
o mais aberto às criticas, às reivindicações e aos apupos populares. Muitas
vezes injustamente, e outras nem tanto. É, pois, ao Poder Legislativo municipal
que ficarei eternamente devedor por me transformar num Cidadão Honorário de
Maceió.
Os meus agradecimentos vão em larga
escala ao vereador Ricardo Barbosa, representante do Partido dos Trabalhadores
na casa de Mário Guimarães. Vereador dedicado e defensor dos interesses das
camadas mais empobrecidas da cidade. Entre as causas defendidas por Ricardo
Barbosa estão a qualidade e o preço justo para o transporte coletivo. Que sem
favor algum é um dos piores do Brasil.
Sem falsa modéstia, tenho dúvidas se sou
merecedor de tal honraria; mas o fato é que fui escolhido pelo vereador Ricardo
Barbosa, e o meu nome contou com a aprovação do plenário da Câmara Municipal de
Maceió.
A forma elegante e fraterna com que fui
tratado pela assessoria do vereador Ricardo Barbosa, e em especial por José
Nivaldo Mota, me faz mais uma vez agradecer a todos e a Vossa Excelência, de
quem somos velhos conhecidos.
Senhor Presidente,
Senhoras e senhores vereadores:
O poeta Lêdo Ivo, todos são sabedores,
mantém uma relação íntima, profundamente amorosa, com a cidade de Maceió. No
poema “Minha Terra”, publicado em 1972, no livro Finisterra, o poeta revisita Maceió e diz assim numa das estrofes:
“Minha pátria é onde os goiamuns
pressentindo o cair da noite
buscam as locas entre
os mangues.
No meu país palustre
o peso das chuvas encurva os cajueiros
e o sol calcina as lágrimas”.
Senhor Presidente,
Senhoras e senhores vereadores,
Minhas amigas e meus amigos:
Para minha honra, desço da tribuna da
Casa de Mário Guimarães feliz e na condição de cidadão maceioense.
Muito obrigado.
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