terça-feira, 1 de maio de 2012

Título de Cidadão Honorário




Senhor presidente,
Senhoras e senhores vereadores,
Minhas amigas, meus amigos:

“A história da gente alagoana é a história de uma gente quase anfíbia”. Foi assim que, no distante ano de 1948, o sociólogo pernambucano Gilberto Freyre definiu os alagoanos.  Eu e quase todos os presentes no plenário da Casa de Mário Guimarães fazemos parte dessa “gente quase anfíbia”.
A gente alagoana – para usar a expressão de Gilberto Freyre − tem nas águas, ou na sua falta, o que há de mais significativo em sua identidade.
Nasci em Anadia faz pouco tempo, no janeiro de 1961, há 51 anos, na margem direita do rio São Miguel, e aos sete anos aportei nesta belíssima cidade, em 1968, para morar com a família, fixando residência no bairro do Vergel do Lago. Aí residimos pouco mais de um ano, mudamo-nos e por um menor tempo ainda moramos no bairro do Prado. De 1970, até hoje, fixamos residência em Jatiúca, e creio, só sairei de lá para ser enterrado em Anadia.
A minha trajetória é “quase anfíbia”, pois com as águas mantenho uma relação de perfeita harmonia e prazer; assim venho vivendo e viverei até o último dia da minha existência. Criei-me entre as águas do rio São Miguel, a lagoa Mundaú e o mar de Jatiúca. No rio São Miguel aprendi a nadar e também contraí xistossomose, curada a tempo. Nas águas do mar e da lagoa vivo sempre a me banhar.
A imensidão do mar que avistei pela primeira vez da rua Dias Cabral, da porta da casa das primas Bebé e Eunice Carneiro Moura − quase irmãs de minha mãe − foi o meu primeiro alumbramento. Hoje tenho plena consciência desse fato. Socorro-me com o poeta Manuel Bandeira, quando diz no poema Estrela da Vida Inteira:

“Um dia eu vi uma moça nuinha no banho
 Fiquei parado o coração batendo
 Ela se riu
 Foi o meu primeiro alumbramento”.

A praia do Sobral tem esse significado em minha vida. Foi o meu primeiro alumbramento de criança.

Senhor Presidente,
Senhoras e senhores vereadores:

Meus pais, minha irmã e eu, aos domingos, durante muitos anos, passeávamos pelas ruas do centro de Maceió, olhávamos e contemplávamos atentamente a beleza das vitrines das lojas. A nossa família de classe média baixa, pai comerciante do interior e mãe professora primária da rede estadual de ensino, não é necessário dizer que apenas contemplávamos as belas vitrines e ao final do passeio parávamos para saborear os gelados deliciosos da sorveteria Gut-Gut.
Pelos becos, ruas, avenidas e praças de Maceió, conheci pessoas que muito me influenciaram na vida. Aqui na praça Deodoro, onde está localizada a Câmara de Vereadores, eu, ainda muito jovem, conheci poetas, estudantes, cantores, cantoras, artistas, atores de teatro e jovens rebeldes que desafiavam como podiam a ditadura militar ou mesmo transgrediam as normas de condutas sociais da época.  
O Teatro Deodoro e o Tribunal de Justiça, construções centenárias e belas, compõem o formidável conjunto arquitetônico projetado pelo italiano Luigi Lucarini. A vetusta e imponente Academia Alagoana de Letras, palco de manifestações artísticas e literárias, faz parte do cenário do centro da cidade.
 Recordo-me de um fato um tanto prosaico acontecido em 1978. O líder metalúrgico Luiz Inácio da Silva veio a Maceió e foi impedido de falar para os seus companheiros sindicalistas. Era, na expressão contemporânea, “um sem-teto”, mas talvez por ironia do destino a casa que abriu as portas e o salão nobre para Lula e para os alagoanos que o acompanhavam foi a Academia Alagoana de Letras.
O centro da cidade sempre me fascinou. Andei e continuo a andar pelas ruas centrais de Maceió como se ainda fosse criança ou adolescente. É como se estivesse em busca do tempo perdido, procurando as livrarias Ramalho, Castro Alves, José de Alencar, Segal, Livro 7 e Caetés. Não as encontro mais. Todas fecharam suas portas. Os motivos foram diversos. Mas o fato relevante nessa história é que ficamos mais pobres com o fim das livrarias.


Senhor Presidente,
Senhoras e senhores vereadores:

A cidade mudou, as ruas ficaram estreitas e pequenas para tantos carros, bicicletas e motocicletas, e até mesmo carroça de burros. O casario vem sendo paulatinamente demolido, espigões são erguidos, outros continuam de pé, mas em profunda decadência, aos pedaços. Estacionamentos de automóveis proliferam onde antes eram casas residenciais ou comerciais. Esta cidade a que me refiro, se não cuidarmos dela, em pouco tempo será apenas uma miragem, fruto da nossa memória.
A fase mais significativa de minha vida se passou em Maceió, onde estudei e obtive um diploma universitário. Mas a minha formação como cidadão, os meus pequenos cursos foram todos obtidos nas ruas, nas praças, na biblioteca estadual, nos bares, no teatro. Era onde melhor me sentia e onde me realizava plenamente.    
Maceió me foi apresentada pelos amigos do bairro, pelos parentes, como um centro de lazer, cultura e convivência. Assim, para quem tinha como universo a cidade de Anadia, ampliei bastante o meu horizonte de vida e as minhas perspectivas.
O tempo foi passando, e eu conheci mais pessoas e lugares na minha nova cidade. Maceió para mim era imensa e lúdica. Pelas noites da cidade vim a conhecer poetas e boêmios; intelectuais e trabalhadores; loucos e malandros; religiosos de várias ordenações; políticos, jornalistas e revolucionários.
Se eu um dia fosse perguntado o que faria por Maceió, decerto responderia desejar que as praças da minha nova cidade voltassem a ser agradáveis, os jardins e passeios bem cuidados e floridos, como foram no passado recente.  
Quanta gente inteligente e bem intencionada conheci na praça Deodoro e na sorveteria Gut-Gut, entre o bar Gracy e a macarronada Eureka, entre o mercado público e a padaria Nossa Senhora das Graças e entre o Palácio do Trabalhador e o bar do Maurício. Esse é um dos meus roteiros sentimentais.
 E para minha surpresa e alegria, entre 1983 e 1988, vim trabalhar aqui na Câmara Municipal de Maceió. De início, com a jovem e bonita vereadora Kátia Born; em seguida, com o irrequieto jornalista João Vicente Freitas Neto, um autêntico vereador de Bebedouro e da cidade, tragicamente morto com a esposa, Gracinha, e dezenas de outros passageiros, num desastre aéreo no mar do Caribe em 1997.  
Os vereadores do PCB, partido em que militei por vinte anos, são por mim sempre lembrados: o sapateiro Renalvo Siqueira, tantas vezes preso e barbaramente espancado, os jornalistas Nilson Amorim de Miranda e Freitas Neto.
Recordo ainda de outros representantes do povo e da cidade com quem convivi diariamente: Jarede Viana, Edberto Ticianelli, Guilherme Falcão, Francisco Holanda, Fernando Costa, Camucé Falcão, Galba Novaes, Hermínio Cardoso, Braúlio e Tito Cavalcante, Freitas Neto, e Kátia Born, que anos depois foi eleita prefeita de Maceió em duas oportunidades; entre outros nomes.
   
Senhor Presidente,
Senhoras e senhores vereadores:

O Poder Legislativo é, entre os poderes, o mais aberto às criticas, às reivindicações e aos apupos populares. Muitas vezes injustamente, e outras nem tanto. É, pois, ao Poder Legislativo municipal que ficarei eternamente devedor por me transformar num Cidadão Honorário de Maceió.
Os meus agradecimentos vão em larga escala ao vereador Ricardo Barbosa, representante do Partido dos Trabalhadores na casa de Mário Guimarães. Vereador dedicado e defensor dos interesses das camadas mais empobrecidas da cidade. Entre as causas defendidas por Ricardo Barbosa estão a qualidade e o preço justo para o transporte coletivo. Que sem favor algum é um dos piores do Brasil. 
  Sem falsa modéstia, tenho dúvidas se sou merecedor de tal honraria; mas o fato é que fui escolhido pelo vereador Ricardo Barbosa, e o meu nome contou com a aprovação do plenário da Câmara Municipal de Maceió.
A forma elegante e fraterna com que fui tratado pela assessoria do vereador Ricardo Barbosa, e em especial por José Nivaldo Mota, me faz mais uma vez agradecer a todos e a Vossa Excelência, de quem somos velhos conhecidos.

Senhor Presidente,
Senhoras e senhores vereadores:

O poeta Lêdo Ivo, todos são sabedores, mantém uma relação íntima, profundamente amorosa, com a cidade de Maceió. No poema “Minha Terra”, publicado em 1972, no livro Finisterra, o poeta revisita Maceió e diz assim numa das estrofes:

“Minha pátria é onde os goiamuns
                pressentindo o cair da noite
 buscam as locas entre os mangues.
No meu país palustre
o peso das chuvas encurva os cajueiros
e o sol calcina as lágrimas”.

Senhor Presidente,
Senhoras e senhores vereadores,
Minhas amigas e meus amigos:

Para minha honra, desço da tribuna da Casa de Mário Guimarães feliz e na condição de cidadão maceioense.
Muito obrigado.

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