Geraldo de Majella
Conheci Anilda Leão Moliterno primeiro como seu leitor; depois fui apresentado a ela pelo amigo comum, o jornalista Nilson Miranda. Dessa data em diante – certamente final de 1979 ou início de 1980 –, nos tornamos amigos. Dessas amizades que um não vai à casa do outro, mas quando se encontram comentam fatos e se tratam com carinho e respeito.
Na mais remota lembrança que registro como leitor de Anilda Leão, ainda não havia acontecido a anistia política e o Brasil era governado pelo general Ernesto Geisel. A agenda política nacional girava em torno da abertura política, adjetivada de lenta, segura e gradual. Em Alagoas contavam-se nos dedos de uma das mãos os intelectuais que se arriscavam a declarar-se favoráveis à anistia para os presos e perseguidos políticos.
O senador Teotônio Vilela andava pelo Brasil em peregrinações pelos cárceres, conhecendo a dura realidade daqueles brasileiros feitos prisioneiros políticos, fato admirável e digno de respeito e comoção. O velho e imortal senador alagoano abriu as masmorras e dialogou em companhia de outros parlamentares, religiosos e advogados com os presos políticos e seus familiares.
Aqui nas Alagoas, os estudantes universitários, secundaristas, alguns intelectuais, advogados e pouquíssimos políticos (parlamentares) e religiosos faziam declarações abertamente pelo retorno dos exilados e banidos e pela liberdade dos prisioneiros.
O jornal Boca do Povo, na edição de outubro de 1978, estampou nas páginas 6 e 7: “Alagoanos pela anistia!” As personalidades entrevistadas foram: Heloisa Ramos, ativista política e viúva do escritor Graciliano Ramos, a escritora Anilda Leão, o arquiteto e professor Marcos Vieira, o professor e crítico de cinema Elinaldo Barros, o advogado e ex-preso político José Moura Rocha, o líder dos estudantes e presidente do DCE da UFAL Enio Lins, o médico e professor da Ufal Gilberto Macedo, o estudante Renan Calheiros e o presidente do sindicato dos jornalistas de Alagoas, Freitas Neto. Anilda Leão fez a seguinte declaração:
“A luta pela democracia em uma nação jamais atingirá seu objetivo se não contar com a participação de todos os setores da sociedade, destacando a classe trabalhadora. Nessa questão eu vejo a importância da anistia ampla, geral e irrestrita para todos os presos políticos, que lutaram justamente para que o país se torne democrático. Todos os crimes políticos cometidos no país durante o período de arbítrio deverão ser apurados e julgados, para que posteriormente sejam punidos os responsáveis”.
Naquele período a escritora Anilda Leão era diretora do Departamento de Assuntos Culturais – DAC, órgão vinculado à Secretaria de Educação e Cultura do estado de Alagoas – Senec, o equivalente, hoje, ao cargo de secretário de Cultura. É importante lembrar este detalhe: só um ano após as declarações da escritora ocorreu a anistia tão ansiada, que veio ao encontro da nação e dos brasileiros.
Faço questão, neste momento, de rememorar esses fatos que já me parecem distantes, pois a história das pessoas é em geral realçada a partir dos títulos e das láureas recebidas. Para os brasileiros de Alagoas que estavam engajados na luta pela redemocratização do Brasil, aquelas declarações serviram de encorajamento.
O tempo foi passando, mais rápido que o necessário; fui me aproximando da escritora e, em 2007, decidi organizar um livro sobre o jornalista Jayme Amorim de Miranda. Uma das pessoas que procurei foi Anilda, que prontamente me recebeu em sua casa e aceitou escrever um texto sobre o seu amigo de juventude, Jayme Miranda.
Em poucos dias recebi o texto, li e me emocionei com a beleza e as revelações contidas em duas laudas datilografadas – ela não usava computador. Fui pedindo artigos a vários escritores, consegui um bom material, mas o pior aconteceu. Perdi o livro. Recuperei alguns textos que me foram enviados por e-mail, mas não o texto de Anilda Leão.
Primeiro fiquei chateado com o meu próprio descuido, e depois fiquei esperando uma oportunidade para falar com Anilda e dizer-lhe que havia perdido os originais do livro. Cheguei até a conversar com o seu filho, Carlos Moliterno, e explicar que estava envergonhado pelo acontecido. O sentimento de culpa involuntariamente foi se apossando de mim e eu fui deixando o tempo passar.
A sua morte, Anilda Leão, obriga-me a voltar a pensar no projeto do livro, que já que não contará com o belíssimo texto. Pelo menos lhe dedicarei o livro Jayme Miranda, um revolucionário alagoano.
Que a terra lhe seja leve.
Historiador e presidente do instituto de Terras e Reforma Agrária de Alagoas (Iteral).
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