segunda-feira, 9 de agosto de 2010

O mundo mágico de Adoniran Barbosa









Aquiles Rique Reis (*)

Adoniran nasceu João Rubinato em 6 de agosto de 1910. São Paulo, Rio de Janeiro e o Brasil têm no coração este paulistano de Valinhos. Seu centenário traz desejos de ouvi-lo, de reverenciá-lo.
Sua lembrança nos deixou marcas de espanto e admiração. Seus versos, que repetem o linguajar popular paulistano, causaram estranhamento. Suas letras, entretanto, valeram para melhor expressar o que ele sabia de sua gente, tudo o que ele tinha certeza de que atingiria, como num “Tiro ao Álvaro” poético: a mosca da alma do povo.

Meu coração juvenil custou a entender. Mas a criatividade era tanta que meu coração musical se convenceu. Meu esforçado coração ampliou horizontes, rompeu barreiras. Inquieto, invadiu fronteiras, desfez preconceitos e ajuntou opostos. E meu coração inexperiente ligou Bexiga e Vila Isabel, bairros geograficamente distantes.

Foi aí que meu coração amoroso sorriu e pela primeira vez sentiu que Adoniran Barbosa e Noel Rosa eram como um só. Ali ficara claro para mim que uma nova linguagem, que vocalizava o falar da gente das ruas de São Paulo e do Rio de Janeiro, tinha dois responsáveis: Adoniran e Noel, cronistas e intérpretes de sonhos e anseios populares através do humor, da delicadeza e da ternura.

Adoniran era como um Quixote de Cervantes errando por São Paulo. A cada rua percorrida, era como se entrevisse moinhos a serem destruídos por sua lança (cuja ponta tratava de acarear a imaginação com a realidade) com golpes certeiros desfechados por versos corrosivos ou engraçados, plenos de contemporaneidade, dignos de um fecundo trovador urbano.

Feito Sancho Pança, os Demônios da Garoa se fizeram imprescindíveis. Tornaram-se de Adoniran o eco, multiplicando-o com suas cinco gargantas. Juntos, os seis são sinônimos de um samba que nasceu em São Paulo e ganhou o Rio de Janeiro – e logo o Brasil lhes fazia coro.

Juntos, criaram a identidade que sintetiza a personalidade de um estado que abriga pensamentos e doutrinas díspares, raças e gente imigrante diversas, culturas e crenças distantes, todos integrados pela pluralidade que os acolhe e propicia direitos, deveres e oportunidades iguais.

Meu coração aflito me trouxe para São Paulo, Adoniran. Aqui, meu coração vagabundo sentou praça num “lindo lote, dez de frente e dez de fundos”. Meu coração, quando angustiado, se apoia em sua música para levantar, véio. Assim que nem você, que pergunta “por onde andará Joca e Matogrosso/ Aqueles dois amigos/ Que não quis me acompanhá?”, tenho vontade de indagar por onde anda você, espelho no qual tento me ver refletido quando de minhas andanças na noite paulistana.

Adoniran, aqui e agora o meu coração confidencia: para merecer o que a nossa São Paulo me deu (depois de aqui ter desembarcado há uns bons dezesseis anos), eu tento vê-la com os seus olhos, com a sua ironia, com seu humor e afeto. Nunca conseguirei tal proeza, mas, com suas músicas, continuarei tentando.

Obrigado, Adoniran!
(*) músico e vocalista do MPB4

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