terça-feira, 1 de maio de 2012
Título de Cidadão Honorário
domingo, 4 de março de 2012
Anilda Leão e o livro perdido

Geraldo de Majella
Conheci Anilda Leão Moliterno primeiro como seu leitor; depois fui apresentado a ela pelo amigo comum, o jornalista Nilson Miranda. Dessa data em diante – certamente final de 1979 ou início de 1980 –, nos tornamos amigos. Dessas amizades que um não vai à casa do outro, mas quando se encontram comentam fatos e se tratam com carinho e respeito.
Na mais remota lembrança que registro como leitor de Anilda Leão, ainda não havia acontecido a anistia política e o Brasil era governado pelo general Ernesto Geisel. A agenda política nacional girava em torno da abertura política, adjetivada de lenta, segura e gradual. Em Alagoas contavam-se nos dedos de uma das mãos os intelectuais que se arriscavam a declarar-se favoráveis à anistia para os presos e perseguidos políticos.
O senador Teotônio Vilela andava pelo Brasil em peregrinações pelos cárceres, conhecendo a dura realidade daqueles brasileiros feitos prisioneiros políticos, fato admirável e digno de respeito e comoção. O velho e imortal senador alagoano abriu as masmorras e dialogou em companhia de outros parlamentares, religiosos e advogados com os presos políticos e seus familiares.
Aqui nas Alagoas, os estudantes universitários, secundaristas, alguns intelectuais, advogados e pouquíssimos políticos (parlamentares) e religiosos faziam declarações abertamente pelo retorno dos exilados e banidos e pela liberdade dos prisioneiros.
O jornal Boca do Povo, na edição de outubro de 1978, estampou nas páginas 6 e 7: “Alagoanos pela anistia!” As personalidades entrevistadas foram: Heloisa Ramos, ativista política e viúva do escritor Graciliano Ramos, a escritora Anilda Leão, o arquiteto e professor Marcos Vieira, o professor e crítico de cinema Elinaldo Barros, o advogado e ex-preso político José Moura Rocha, o líder dos estudantes e presidente do DCE da UFAL Enio Lins, o médico e professor da Ufal Gilberto Macedo, o estudante Renan Calheiros e o presidente do sindicato dos jornalistas de Alagoas, Freitas Neto. Anilda Leão fez a seguinte declaração:
“A luta pela democracia em uma nação jamais atingirá seu objetivo se não contar com a participação de todos os setores da sociedade, destacando a classe trabalhadora. Nessa questão eu vejo a importância da anistia ampla, geral e irrestrita para todos os presos políticos, que lutaram justamente para que o país se torne democrático. Todos os crimes políticos cometidos no país durante o período de arbítrio deverão ser apurados e julgados, para que posteriormente sejam punidos os responsáveis”.
Naquele período a escritora Anilda Leão era diretora do Departamento de Assuntos Culturais – DAC, órgão vinculado à Secretaria de Educação e Cultura do estado de Alagoas – Senec, o equivalente, hoje, ao cargo de secretário de Cultura. É importante lembrar este detalhe: só um ano após as declarações da escritora ocorreu a anistia tão ansiada, que veio ao encontro da nação e dos brasileiros.
Faço questão, neste momento, de rememorar esses fatos que já me parecem distantes, pois a história das pessoas é em geral realçada a partir dos títulos e das láureas recebidas. Para os brasileiros de Alagoas que estavam engajados na luta pela redemocratização do Brasil, aquelas declarações serviram de encorajamento.
O tempo foi passando, mais rápido que o necessário; fui me aproximando da escritora e, em 2007, decidi organizar um livro sobre o jornalista Jayme Amorim de Miranda. Uma das pessoas que procurei foi Anilda, que prontamente me recebeu em sua casa e aceitou escrever um texto sobre o seu amigo de juventude, Jayme Miranda.
Em poucos dias recebi o texto, li e me emocionei com a beleza e as revelações contidas em duas laudas datilografadas – ela não usava computador. Fui pedindo artigos a vários escritores, consegui um bom material, mas o pior aconteceu. Perdi o livro. Recuperei alguns textos que me foram enviados por e-mail, mas não o texto de Anilda Leão.
Primeiro fiquei chateado com o meu próprio descuido, e depois fiquei esperando uma oportunidade para falar com Anilda e dizer-lhe que havia perdido os originais do livro. Cheguei até a conversar com o seu filho, Carlos Moliterno, e explicar que estava envergonhado pelo acontecido. O sentimento de culpa involuntariamente foi se apossando de mim e eu fui deixando o tempo passar.
A sua morte, Anilda Leão, obriga-me a voltar a pensar no projeto do livro, que já que não contará com o belíssimo texto. Pelo menos lhe dedicarei o livro Jayme Miranda, um revolucionário alagoano.
Que a terra lhe seja leve.
Historiador e presidente do instituto de Terras e Reforma Agrária de Alagoas (Iteral).
domingo, 29 de janeiro de 2012
Casamento secreto
A dedicação à família para Adroaldo está em primeiro plano. Nada é mais importante para ele que a mulher e as duas filhas. As suas curtições sempre foram as rodas de sambas, tomar cerveja com os amigos nos finais de semana na praia de Guaxuma, jogar futebol e praticar atletismo. Não pensa em juntar dinheiro, e muito menos formar um patrimônio material expressivo. Vive para o trabalho, para a família e para curtir a vida.
Casado com Lúcia há 25 anos, no entanto, a relação do casal nos últimos cinco anos não andava bem. Até o dia em que Lúcia decidiu levar a sério o que já vinha falando: “quero me separar”. Os motivos, os dois sabiam, pois não carecia de maiores delongas. A separação ocorreu de maneira consensual, sem traumas. As filhas, adultas, ficaram − por decisão delas − com a mãe. São estudantes universitárias: uma estuda engenharia e a outra, odontologia.
A hora mais sentida para ambos foi a da partilha do patrimônio. O que lhe coube, aliás, o que Adroaldo escolheu foi: a biblioteca com três mil livros, muitos raros, cerca de cinco mil CDs de música clássica, MPB, regional, e trezentos discos de 78 RPM, um acervo invejável. Ainda lhe couberam mil e quinhentos DVDs.
O que mexeu com o emocional foi a hora em que foram retirados das paredes os quadros por ele pintados, alguns inacabados, e sobretudo as obras de artes herdadas de sua mãe, bem como alguns quadros comprados durante o casamento.
A caixa com os álbuns de fotografias antigas da família materna e paterna foi incorporada ao seu patrimônio. E, por último, o campo de futebol de botão lhe foi entregue pelas duas filhas com largos sorrisos, pois sabiam o quanto o pai adora futebol de botão e da sua devoção pelo time do Santos Futebol Clube, bicampeão mundial de futebol.
A poupança aberta para as filhas quando nasceram era fato conhecido da ex-mulher e até registrado num testamento feito depois que sobreviveu a um incrível acidente de automóvel no carnaval de 2000. Os cartões das poupanças com as respectivas senhas foram passados para as filhas na presença de Lúcia.
O caminhão-baú da empresa de mudanças estacionou na porta do que ele passou a considerar como ex-residência. Três trabalhadores iniciaram o carregamento dos pertences, e em poucas horas tudo foi acomodado e o caminhão deu partida. O desejo de viver em liberdade, tão ansiado por Adroaldo, se consumava. Ele balbuciou baixinho: “é a vida que segue, me sinto um homem livre”.
Agora solteiro, passou a ir a lugares na cidade que já não reconhecia e de que até mesmo havia perdido a intimidade. O retorno à boemia, amanhecer o dia nos bares, restaurantes e casas de samba, andar pelos salões, foram um novo mundo que se descortinou. E a possibilidade de azarar a mulherada, tomar um porre sem culpa, até parece que lhe devolveu o gosto de viver. Não se lembrava mais do último porre, por exemplo.
Acontece que a vida encaminha as pessoas nem sempre para lugares planejados; muitas vezes, o planejamento que é importante para as empresas, bancos, administração pública, quando se trata do amor não serve ou pelo menos não tem a mesma eficácia.
Passou a ser convidado para festas e aniversários − não que antes não o fosse, mas o clima era outro. Os seus olhos viam tudo diferente. Evidência disso é que no dia 10 de junho fora convidado por Marise, amiga de longa data, para ir ao seu aniversário.
À vontade, Adroaldo, toma uísque, conversa animadamente, mas é para uma moça – que ele ainda não sabe quem é – que as suas atenções se voltam. Os olhares se cruzam, risos contidos são dados um para o outro. Ao perceber que a garrafa de uísque estava distante e o braço da moça não a alcançava, como um bom cavalheiro se levantou e foi servi-la. Olhando nos seus olhos, perguntou o nome. A resposta: Helena.
A partir daí passaram a se falar, e num passe de mágica, ao sentir que tinha uma cadeira vazia junto dela, Adroaldo se aproximou, e seguiram conversando. Era o início desejado.
A festa alcançou a madrugada, que lentamente foi dando lugar à manhã ensolarada do verão em Maceió. O tempo foi passando, e muitos convidados se foram. Marise, percebendo a aproximação entre os amigos comuns, sem que ambos notassem, tornou o ambiente ainda mais aconchegante juntando as mesas. Tudo estava concorrendo para aproximá-los, pois juntos os dois se paqueravam mais e melhor. Os acordes extraídos do violão do Luisinho Sete Cordas se tornaram indispensáveis e mantinham o clima de boemia e ternura dos últimos resistentes da festa.
O sol raiou. Adroaldo e Helena se despediram e foram tomar o café da manhã no Bodega do Sertão. Sentaram-se a uma mesa do restaurante, comeram cuscuz, ovos com inhame, carne do sol, refestelaram-se nas cadeiras confortáveis e arremataram um prato de arroz-doce – para cortar o uísque. O cheiro do café quente fez com que bebessem xícaras de café com leite. Pagaram a conta, e Helena, olhando nos seus olhos, convidou-o para dormir em seu confortável apartamento.
O namoro teve início na primeira madrugada e no primeiro encontro. Daí em diante passaram a sair juntos, almoçam três vezes por semana num restaurante vegetariano, e os outros dias alternam entre as casas em que vivem.
Desde que Helena lhe propôs casamento não tem pensado em outra coisa que não o exato momento do casamento, definido por ela como secreto. Apenas os dois nubentes sabem; óbvio, ninguém mais será convidado, e menos ainda saberão de tal fato. Para os familiares e amigos eles são namorados.
A cidade vive o clima de Natal. As festas de final de ano são bem definidas: ceia de Natal é sagrada, na casa dos pais de Helena. Mas no réveillon cada um faz o seu programa. Em geral, os sobrinhos vão para a orla assistir ao espetáculo da queima de fogos; os irmãos organizam uma festa de passagem de ano na praia de Guaxuma. Para Adroaldo e Helena era o momento ideal: na presença de familiares eles casariam secretamente. Perfeito. Tudo foi pensado por eles; compraram champanhe, roupas brancas, inclusive as íntimas, vestido transparente, biquíni e flores.
Os fogos espocaram anunciando o ano, e o novo casal entrou com o pé direito nas águas mornas da praia de Guaxuma, com taças de champanhe, brindando efusivamente e se beijando demoradamente. Os familiares em volta comemoram também a chegada do ano novo. Os abraços apertados são dados, ouvem-se choros de emoção incontida de um dos sobrinhos, outro agradece a Deus pela graça de ter sido aprovado num concurso público.
De mãos dadas mergulham, como se fossem golfinhos; brincam, pulam, abraçam-se e beijam-se, comemorando o casamento secreto e aquático.