quarta-feira, 16 de junho de 2010

Poeta, compositor e boêmio

Homenagem prestada ao poeta Paulo Renault


O poeta declamando no Bar Nação Caeté

Paulo Renault, Chico de Assis e o ex-jogador de futebol Jorge Siri

Paulo Renault e Chico Elpídio seu principal parceiro

Capa do Livro

Geraldo de Majella


Paulo Renault Braga Villas Boas [1958-2003], poeta, compositor, funcionário público, trabalhou na Fundação Cultural Cidade de Maceió e Fundação Teatro Deodoro – Funted. Antes havia trabalhado como vendedor da Brahma. Nasceu em Maceió no dia 29/10/1958 e faleceu em Maceió no 19/11/2003. Filho de Renault Paranhos Villas Boas e Leda Braga Vilas Boas. Cursou até o 3º período de administração de empresas no Centro de Estudos Superiores de Maceió - CESMAC. Casou-se com a professora Márcia Maria Lima Villas Boas; o casal teve dois filhos, Rodrigo e Sergio Lima Villas Boas.

A política foi um dos assuntos que mais atraiu Paulo Renault, além da poesia e da boemia. Tinha nas veias o sangue do histórico militante comunista Júlio de Almeida Braga, seu avô e um dos fundadores em Alagoas do Partido Comunista Brasileiro – PCB, razão fundamental de tanto falar do avó e de relatar em segunda mão as proezas do velho comunista nas prisões e durante a vida de operário e inventor de instrumentos mecânicos.

Paulo Renault ousou na juventude entrar para a militância política no antigo PCB, mas logo admitiu não ser essa a sua opção de vida. Pediu “baixa” do PCB e seguiu o seu caminho de poeta e compositor. O que de fato estava certo, pois a política partidária não seria o melhor caminho para ele trilhar.

Paulo Renault foi parceiro de Chico Elpídio, Eliezer Setton, Marcondes Costa e Carlos Moura, dentre outros. Das músicas compostas em parceria com os amigos, algumas foram gravadas. A temática de suas composições foi sempre focada na condição social do ser humano, seus desejos e suas fraquezas, com influências da bossa nova, da música de raiz nordestina e da MPB.

Integrou um dos mais importantes grupos musicais de Alagoas, o Grupo Terra. Esse conjunto musical foi criado no final dos anos 70 e permaneceu até o início dos oitenta. Márcia, sua companheira, diz que ele “possuía aguçado senso musical e uma voz privilegiada, com um agudo incomum, e que a sua relação com o violão – instrumento de sua predileção − era apenas a de um pretenso tocador, pois não se dedicava com a profundidade que gostaria ou deveria”.

Os músicos que constituíram o Grupo Terra se tornaram uma referência da sua geração. Entraram de corpo e alma na produção de música alagoana, com forte influência do estilo regional. Durante a década de 70 despontavam no cenário artístico nacional grupos musicais como o Quinteto Violado e a Banda de Pau e Corda ambos pernambucanos.

A motivação dos músicos era também a do compositor Paulo Renault, que tinha como uma das suas características pessoais o entusiasmo e a grandiloquência. Talvez por ser dessa maneira, “mergulhava de cabeça” em tudo que escolhia.

A passagem pelos vários órgãos públicos de cultura era, além do seu oficio, um caminho para tentar se expressar politicamente no ambiente artístico e cultural das Alagoas.

Autodidata

O temperamento irrequieto o conduziu por toda a vida – curta, é bom que se destaque. Morreu com apenas 45 anos. Era autodidata; sem que nunca houvesse estudado direção teatral, codirigiu com Paulo Déo, em 1995, uma peça do consagrado escritor gaúcho Moacyr Scliar, Introdução à Prática Amorosa.

Três anos depois, em 1998, ajudou a montar o espetáculo Maceió Cidade Aberta, com o seu amigo o cantor e compositor Chico Elpídio. Esse show foi baseado numa de suas obras, e os poemas foram musicados por Chico Elpídio. A direção ficou a cargo do experiente diretor José Márcio Passos.

O trabalho como produtor musical também o atraia e por muitos anos produziu shows de cantores alagoanos como Eliezer Setton, Leureny Barbosa, Nara Cordeiro, Wilma Miranda, entre outros. O envolvimento na produção não era restrito à montagem formal do espetáculo apenas mas acabava se envolvendo muitas vezes na escolha do repertório; opinava sobre os arranjos musicais e até mesmo sobre a apresentação no palco de cada um dos artistas.
Livros

A Saga do Toureiro é o primeiro livro, com 18 poemas inéditos, editado pela FUNTED em 1990. O livro fez parte da coleção Palco e Luz. Os poemas são críticos ao mundo capitalista globalizado, onde a ideologia do individualismo domina o mundo e transforma os seres humanos em objetos e/ou máquinas de consumo.

Quando Paulo Renault morreu, Maceió Cidade Aberta estava sendo produzido. Os 25 poemas que compõem o livro foram ilustrados por Mário Aloísio, arquiteto e seu amigo. Só em 2004 foi publicado pela Editora Catavento.

Maceió Cidade Aberta é um conjunto de poemas em que a cidade e sua gente são retratadas. A identidade do poeta com a cidade natal rende muito mais que uma ode. É possível se perceber o que liga um poeta marginal aos marginalizados sociais. É a denuncia do cotidiano mais cruento, são os encontros e desencontros ocorridos entre Paulo Renault e Maceió.

A cidade que sucumbe diante da miséria a que sua gente é arrastada é a mesma cidade em que o poeta foi criado e andou pelos becos, ruas, avenidas, cruzou córregos e se banhou na lagoa Mundaú e no mar. O descaso e o sofrimento do povo e da cidade se confundem com a vida do poeta que romanticamente quer vê-la aberta, livre da miséria e feliz.

Renault produzia lentamente. Publicou apenas dois livros com 43 poemas; deixou outros poemas inéditos, letras de músicas e textos esparsos que merecem ser organizados em outro volume, para assim completar a sua obra.

O boêmio

A boemia era uma das atividades que lhe davam prazer desde a adolescência. O bate-papo em bares, restaurantes e botecos, nas casas mais seletas ou na periferia, não o incomodava e da sua boca ninguém ouviria nenhum comentário ou resmungo. O boteco com três mesinhas à beira do riacho do Salgadinho era um termômetro da sua satisfação.

Agora imaginem os finais de tarde no Largo do Mercado de Jaraguá, no alegre Buraco da Zefinha? Um típico pé-sujo da cidade, mas que durante muitos anos foi frequentado por boêmios de várias extrações sociais. Era o local onde o poeta pontificava com mais assiduidade.

O samba cantado pelo cantor Zé Paulo era o que havia de melhor e diferente nas tardes de sábado em Maceió. O velho cantor de samba, com seus óculos escuros, adorno que o identificava muito mais que o documento de identificação, o RG.

Os intervalos invariavelmente eram destinados aos recitais dos poemas de sua autoria ou de outros poetas. Os amigos, depois de tomar muitas, insistentemente solicitavam que Paulo Renault declamasse Vou embora pra New York, o seu mais conhecido poema. Era um delírio embebido no álcool. Palmas, assovios, gritos e mais bebidas, sempre.

No entorno do Buraco da Zefinha e do Poeta se formou uma confraria em estilo profundamente anárquico, e até foi criado um bloco de carnaval chamado Família Josefina. O bloco desfilou apenas um ano pelas ruas do bairro. O poeta foi um dos destaques. Fantasiado, desfilou pelas ruas e becos de Jaraguá. O ponto alto foi o momento em que solenemente foi afixada uma placa em homenagem à Rapariga (prostituta) Desconhecida.

O território mais conhecido das prostitutas em Maceió recebeu em pleno carnaval essa singela homenagem póstuma. Nada mais justo do que se prestar uma homenagem pública às trabalhadoras do sexo.

12 comentários:

  1. ..excelente homenagem Majella, de resto, coisas que só você faz. No mais, ando a te dever.

    Abraços fraternos

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  2. Majella,

    Por ocasião da famosa festa do POISÉ 1000, em homenagm ao genial Pedro Cabral,nós homenageamos o poeta Paulo Renault (por iniciativa do Carlito Lima),foi afixada uma placa com a inscrição LARGO DO POETA, na parede externa do Bar da Zefinha. A placa, descerrada por Savio Almeida e a viúva do homenageado (acho eu), foi carinhosamente coberta por um guardanapo de tecido,pois, segundo o escritor paulistano Paulo Pellota, "o guardanapo é a ata do botequim". A idéia de dar este nome àquele local partiu de Carlito Lima,alegando que os locais públicos devem receber nomes dos seus frequentadores e a escolha deve partir da comunidade, sem necessitar de opinião de qualquer burocrata.
    Na ocasião,na parede interna do Bar da Zefinha, foi afixada uma placa comemorativa pela milésima edição do POISÉ. Isso foi num 11 de setembro, 11 de setembro de 2004. Alguns anos após,o Bar da Zefinha fechou, o prédio foi reformado e as placas devem ter seguido o destino do entulho. Ficou a intenção da homenagem. A festa ficou na lembrança. "Tudo vale a pena se alma não é pequena". A gente continua a chamar de Largo do Poeta. Largo do Poeta PAULO RENAULT.
    A placa em homenagem à "rapariga desconhecida" permanece no alto de uma parede em Jaraguá, cujo imóvel está à venda.Certa vez foi retirada (e recolocada) para pintura do antigo prédio.
    E assim se faz ou se desfaz a história da cidade e seus viventes...


    Cidinha Madeiro

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  3. homenagem perfeita, e suuuuper informativa! adorei! Parabéns! =)

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  4. Majella,estou muito emocionada com a homenagem feita ao meu inesquecível companheiro, não sei como agradecer, mas, tenha certeza de que nenhuma outra pessoa seria capaz de falar sobre Paulo de forma tão excepcionalmente singular e verdadeira. Também sei o quanto te custam, lá no fundo do coração, essas lembranças do seu amigo. É um belo presente esse artigo.
    Obrigada e um beijão pra você!

    Márcia Maria Lima Vilas Boas.

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  5. Majela, que linda homenagem ao nosso Renault.
    Paulo Renault era um grande amigo...
    Seu avô; Júlio Braga ( Galego ), foi uma pessoa muito generosa para comigo. fui seu vizinho, ainda adolescente, no conjunto Castelo Branco.
    Homem de uma simplicidade e sapiência singular.
    comunista convicto e um exelente escultor, principalmente de miniaturas.
    Primeiro conviví com " seu Júlio Galêgo, depois com o poeta e amigo Paulo Renault.
    Lebro sempre do Paulo com carinho, afeto e acima de tudo com alegria.
    Gravei um poema dele " canais e lagôas " , que fez em homenagem ao Otávio Brandão.
    Está no meu Blog de poesia em áudio: www.chicodeassispoesia.blogspot.com
    Majela, parabéns pelo seu Blog. Ele é um local onde a memporia de Alagoas é refletida de forma magnífica. Obrigado pelo Paulo Renault.
    Um generoso abraço

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  6. Antonio Carlos Quintiliano19 de junho de 2010 às 11:59

    Majella,apesar de não íntimo do Paulo,apenas registro,que fui contemporâneo dele no Colégio Benedito de Morais - acredito que entre 1971 e 1973.Grande lembrança.Abraços e parabéns.
    Antonio Carlos Quintiliano

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  7. Caro Magela:
    Quem escreve é Sérgio Braga, filho do Laudo,de Curitiba (ssbraga@uol.com.br). Também me emocionei lendo sua bela homenagem ao Paulo, e com as fotos postadas. Infelizmente, as trajetórias da vida terminaram me afastando do Paulo nos últimos anos de sua vida, pois vim residir em Curitiba, tive filhos, e não retornei mais a Maceió. Mas são inesquecíveis as lembranças do Paulo, a quem sempre considerei como um irmão. Felizmente, a internet permite que sua memória seja preservada. Uma pena que tenha partido tão cedo.

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  8. Caro Majella:
    Você poderia me enviar para meu email pessoal [ssbraga@uol.com.br] o seu endereço para que eu possa lhe enviar uma cópia da biografia do Julio Galego que o Laudo escreveu. Ele entrou em contato comigo pedindo, mas eu acho melhor lhe enviar diretamente para poupar o trabalho dele ir ao correio. Abrs,

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  9. Homenagem incrivelmente bem feita a alguém que merece tanto quanto lhe foi homenageado. Excelente!

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  10. Olá, tomei a liberdade de pescar algumas informações sobre o Renault e sua obra para construir um página para ele em em site de relacionamento sobre livros (http://www.skoob.com.br/autor/8355/).

    Caso se incomode é só avisar que removerei.

    Estêvão dos Anjos (estevaodosanjos@hotmail.com)

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  11. Homenagem bem merecida. Paulo Renault foi um grande amigo e um ser humano raro e incrível! Apaixonado pela literatura e contribuiu para a Cultura Alagoana com sua arte de escrever. Que seu nome se eternize no rol dos grandes escritores alagoanos.

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